O Estado da Nação continua a variar consoante quem lhe faz o diagnóstico. O PS e o Governo vêem um Portugal em fulgurante recuperação, o PSD e CDS um país em processo de implosão, o PCP e o BE… bom, depende, mas parecem claramente mais pessimistas do que há um ano. As opiniões dos protagonistas políticos podem variar, mas estes 10 números ajudam a perceber melhor o estado da economia nacional.
2,2%
Segundo as mais recentes previsões da Comissão Europeia, a economia portuguesa crescerá 2,2% este ano. O valor representa um abrandamento claro face aos 2,7% de 2017, mas continua a ser um registo elevado quando comparado com o histórico recente do país, que praticamente deixou de crescer na viragem para o século XXI, coincidindo com a entrada na Zona Euro. Os 2,2% previstos para este ano ficam também acima da estimativa para a média do euro (2,1%), embora só cinco países da moeda única cresçam menos do que Portugal. Manter um ritmo de crescimento em torno destes valores será decisivo para continuar a descer o défice e a dívida público sem medidas mais dolorosas.
255 mil pessoas
Se existe área onde as notícias têm sido positivas é no mercado de trabalho. A taxa de desemprego de abril estava em 7,2%, o que é o valor mais baixo em 16 anos. Talvez mais importante, o emprego continua a crescer. Nos últimos dois anos, mais de 255 mil pessoas encontraram trabalho. Atualmente, há perto de 4,78 milhões de portugueses empregados, o que os coloca longe dos 4,39 milhões no período mais negro da crise. Por outro lado, no emprego, ainda não atingimos os valores superiores a cinco milhões do arranque da década passada. Níveis que talvez não estejam ao alcance do mercado de trabalho nacional, com o atual perfil demográfico do país.
35 horas
Por onde começar? A Saúde é certamente o calcanhar de Aquiles do Governo à entrada para este debate sobre o Estado da Nação. Os problemas no SNS são antigos, mas atingiram novos patamares de complexidade, com o regresso dos profissionais de saúde às 35 horas de trabalho semanal a 1 de julho. Nos últimos dias foram sendo reportados casos de encerramento, tendo o mais mediático ocorrido na Maternidade Alfredo da Costa, com as notícias de transferência de grávidas em trabalho de parto para outros hospitais e o encerramento de quatro salas. Foi também da Maternidade e do Hospital de São José que vieram cartas de demissão das chefias dos serviços. Os médicos pedem reforços de profissionais e dizem estar numa situação de exaustão. O Governo defende-se, argumentando que foram contratadas oito mil pessoas para o SNS nesta legislatura e que há ordem de construção de 113 novos centros de saúde. Contudo, numa área que já apresentava muitas debilidades ainda antes da crise, essas apostas revelam-se insuficientes. A passagem às 35 horas é especialmente desafiante, com os representantes dos trabalhadores a estimarem serem necessários cinco mil novos enfermeiros e auxiliares só para compensar essa medida. A saúde já está há meses debaixo de fogo por, alegadamente, estar demasiado dependente das decisões de secretaria de Mário Centeno, que hesita em autorizar compromissos financeiros que possam colocar em causa o défice. Foi por essa via que chegámos ao famoso “somos todos Centeno”, dita pelo ministro da Saúde em defesa da política do Governo. O tema é também desconfortável para o Presidente da República, que promulgou o diploma das 35 horas, dizendo que poderia enviá-lo para o Tribunal Constitucional se ocorresse um aumento real da despesa.
20,6 milhões de pessoas
O abono de família da economia portuguesa continua a apresentar resultados positivos. No ano passado, a hotelaria nacional bateu recordes, ao alojar 20,6 milhões de hóspedes ao longo de 2017. Um crescimento de quase 9% face ao ano anterior (as dormidas aumentaram mais de 7% para 57,5 milhões). Números que nem sequer incluem o alojamento local, cuja popularidade tem disparado. O turismo traz receitas importantes para o país, com os gastos dos visitantes a representarem 7,8% do PIB português em 2017, o dobro do peso que tinham em 2009.
3/10 das carruagens
O investimento público é outro problema que este Governo ainda não foi capaz de resolver. As metas fixadas no Orçamento do Estado não têm sido cumpridas. Embora o investimento cresça, ele avança a um ritmo mais modesto do que tinha previsto anteriormente. Ainda ontem, o Conselho das Finanças Públicas avisou que o investimento público no primeiro trimestre estava muito abaixo do objectivo anual. Algo que tem sido recorrente nesta legislatura. Uma área onde a degradação de equipamentos tem sido especialmente clara é na ferrovia. Tema que ganhou mais atenção depois da manchete do “Público” há poucos dias, onde se lia “CP está a ficar sem comboios e à beira do colapso”. Entre a frota envelhecida – que facilita avarias – e falta de pessoal, a notícia descreve uma empresa perto da rutura. O reforço está previsto (um concurso público para a compra de material circulante), mas ainda nem sequer está à vista. Os números são impressionantes. Três em cada dez carruagens da CP para viagens de longo curso estão nas oficinas e, na linha Oeste, só nos primeiros cinco meses do ano foram suprimidos 357 comboios. Há um ano e meio, a administração da CP pediu ao Governo a compra de 35 automotoras, avisando que estava em causa a sustentabilidade da empresa. O tal concurso até deve avançar este ano, mas os portugueses só deverão começar a usufruir do equipamento dentro de três anos.
0,7% do PIB
Pode parecer estranho tendo em conta todo o histórico pós-25 de Abril, mas as contas públicas não são um foco de preocupação. Pelo menos no curto prazo. O Governo tem como objetivo um défice de 0,7% do PIB no final deste ano, depois de, em 2017, ter feito um “brilharete” e atingido os 0,9% (excluindo o efeito da Caixa Geral de Depósitos). Recorde-se que fixar 0,7% como meta mereceu fortes críticas do PCP e do Bloco de Esquerda, uma vez que fica bastante abaixo do orçamento aprovado pelos dois partidos (1,1% do PIB). O Conselho das Finanças Públicas conclui que o ano arrancou bem, embora ainda não seja possível antecipar se será possível atingir a meta anual. Se acabarmos por ter um desvio significativo, a Comissão Europeia entrará em campo para pressionar e, eventualmente, sancionar Portugal. Mas resta saber quão assertiva será. O resultado anual das contas públicas portuguesas será conhecido a dois meses das eleições europeias, numa altura em que Bruxelas terá muito cuidado na hostilização dos Estados-membros, principalmente aqueles que, entretanto, foram elevados à categoria de “alunos cumpridores”, como é o caso de Portugal.
122% do PIB
Se o curto prazo não traz preocupações no que diz respeito às contas públicas, se dermos dois passos atrás podemos ter uma opinião diferente. Perante os nossos olhos está uma montanha de dívida pública, que ainda se classifica como uma das maiores de todo o mundo: 122% do PIB é a estimativa para o final deste ano. As boas notícias: ela está numa trajetória claramente descendente. Isso dá confiança aos credores e às instituições internacionais. Porém, com um valor tão elevado, o país está sempre fragilizado na eventualidade de uma nova crise. Mesmo nas projeções do Governo, o endividamento do Estado continuará acima de 100% do PIB até, pelo menos, 2022.
> 600 euros
Tal como noutras economias avançadas, o emprego em Portugal está a crescer, sem que, com ele, venha um reforço significativo dos salários. As remunerações até estão a crescer, mas o aumento real é limitado. Além disso, nós parecemos estar numa posição ainda menos favorável do que outras economias avançadas. Portugal está entre os países da OCDE onde as remunerações avançam a um ritmo mais lento, em comparação com o período pré-crise financeira. O Dinheiro Vivo escrevia há dias que os salários dos portugueses deveriam crescer este ano a um terço do ritmo da média da OCDE. Estes números surgem numa altura em que parece existir um consenso na sociedade portuguesa em torno da subida do salário mínimo para um valor superior aos 600 euros que estavam anteriormente acordados. A subida do salário mínimo não tem, até agora, tido efeitos negativos para o emprego – ou, pelo menos, eles não são visíveis -, mas há quem argumente que começamos a ter um salário mínimo demasiado próximo da mediana salarial do país (800 euros, em 2016). Há dois anos, esse rácio já estava em 58%, o terceiro mais alto da Zona Euro.
12%
Tal como os salários, os preços também não têm apresentado grande dinamismo. Uma das exceções são as casas. O mercado imobiliário português continua a ferver, especialmente nos grandes centros urbanos, o que coloca vários desafios à política habitacional. O preço das casas aumentou 12,2% nos primeiros três meses deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. O quarto maior aumento da União Europeia. Por trás deste crescimento há uma tempestade perfeita: juros em mínimos históricos, turismo a bater recordes, a explosão do alojamento local, vistos gold, isenções para reformados de outros países, preços relativamente acessíveis quando comparados com outras capitais e um renovado apelo pelo centro das cidades. Ao mesmo tempo, há menos casas para alugar e mais procura pelas mesmas, o que se traduz em subidas loucas também das rendas, que dispararam 13% no arranque de 2018, segundo a Confidencial Imobiliário. Em Lisboa e Porto, a variação supera os 20% num só ano. Encontrar um T1 nessas cidades tornou-se uma tarefa quase impossível para quem pertença à classe média. O Governo elegeu a habitação acessível como uma prioridade, mas com pouca habitação social ou subsidiada em Portugal, está por conhecer o impacto que essas medidas podem realmente ter.
474 milhões de euros
Talvez seja das queixas mais recorrentes nas conversas de café: o preço da gasolina e do gasóleo. Os combustíveis aumentaram substancialmente nos últimos meses e isso foi o suficiente para colocar de acordo todas as bancadas parlamentares, excepto o PS, em torno da necessidade de reduzir ou eliminar o adicional ao imposto sobre produtos petrolíferos (ISP). Recorde-se que, em 2016, o Governo decidiu criar este adicional para se salvaguardar do impacto da descida do preço do petróleo na receita fiscal. No entanto, com o ouro negro em máximos de quatro anos, a medida continua a ajudar os cofres do Estado (e a consolidação orçamental), mas penaliza mais duramente os consumidores. Segundo o Governo, eliminar o ISP implicaria uma perda de receita de mais de 470 milhões de euros. O tema vai a votação para a semana.