Em Pedrógão Grande, já são poucos os que tentam domesticar a revolta que há um ano, desde o trágico incêndio que lavrou a 17 de junho de 2017, os vai consumindo. Ao luto pela morte de 66 pessoas – contabilizando as perdas nos concelhos limítrofes – soma-se a indignação provocada pelos trabalhos de reconstrução e acumulam-se as denúncias contra dezenas de vizinhos que terão beneficiado de apoios indevidos. Os relatos, até este verão feitos em surdina e quase abafados pelo ruído de betoneiras, picaretas e serrotes, tornaram-se audíveis – e chegam acompanhados da cartografia das alegadas injustiças.
Na edição nº 1324, que foi para as bancas a 19 de julho, a VISÃO revelou os primeiros esquemas utilizados para fintar os regulamentos e que, conjuntamente, implicariam um desvio de meio milhão de euros – o montante poderá, afinal, ser substancialmente superior – de donativos destinados a obras urgentes para reconstruções de casas que não eram prioritárias – algumas não tinham residentes ou nem sequer arderam. O truque de alteração das moradas fiscais em datas posteriores aos fogos funcionou, mas agora o Ministério Público já tem em sua posse 113 processos de apoio (21 dos quais decorrentes do trabalho da VISÃO e de duas reportagens subsequentes da TVI).
Este é o quinto caso polémico:
Quem poderá “ganhar” uma casa graças ao incêndio de 17 de junho do ano passado é Bruno Martins. O pai deste funcionário da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, Carlos Martins, pediu a reconstrução de um prédio (detido em copropriedade com o tio de Bruno Martins, Vasco Martins) na Travessa dos Lopes, em Vila Facaia, sob compromisso de este ser doado a breve trecho ao filho.
A obra, financiada pela Cruz Vermelha Portuguesa, no valor de 99 809 euros, já está concluída. Apesar disso, de acordo com os dados das Finanças, Bruno Martins residiria na mesma morada do que o pai, na Rua de Santa Catarina, em Vila Facaia, desde 27 de abril de 2012. A Travessa dos Lopes só passou a figurar como seu domicílio fiscal a partir de 17 de outubro de 2017, quatro meses volvidos após o incêndio. E outro pormenor: os registos prediais evidenciam que o imóvel continua a ser propriedade do pai e do tio de Bruno Martins – até à data da publicação da investigação, confirmou a VISÃO, a prometida doação não tinha acontecido.