Em Pedrógão Grande, já são poucos os que tentam domesticar a revolta que há um ano, desde o trágico incêndio que lavrou a 17 de junho de 2017, os vai consumindo. Ao luto pela morte de 66 pessoas – contabilizando as perdas nos concelhos limítrofes – soma-se a indignação provocada pelos trabalhos de reconstrução e acumulam-se as denúncias contra dezenas de vizinhos que terão beneficiado de apoios indevidos. Os relatos, até este verão feitos em surdina e quase abafados pelo ruído de betoneiras, picaretas e serrotes, tornaram-se audíveis – e chegam acompanhados da cartografia das alegadas injustiças.
Na edição nº 1324, que foi para as bancas a 19 de julho, a VISÃO revelou os primeiros esquemas utilizados para fintar os regulamentos e que, conjuntamente, implicariam um desvio de meio milhão de euros – o montante poderá, afinal, ser substancialmente superior – de donativos destinados a obras urgentes para reconstruções de casas que não eram prioritárias – algumas não tinham residentes ou nem sequer arderam. O truque de alteração das moradas fiscais em datas posteriores aos fogos funcionou, mas agora o Ministério Público já tem em sua posse 113 processos de apoio (21 dos quais decorrentes do trabalho da VISÃO e de duas reportagens subsequentes da TVI).
Este é o primeiro caso polémico:
Em Sabrosa, nos Campelos (freguesia de Vila Facaia), a SIC Esperança está a financiar a reconstrução da casa de Aníbal Henriques, que custará 59 655 euros no total. De acordo com os dados cedidos pela CCDRC à VISÃO, a Câmara Municipal de Pedrógão Grande assegurou que a moradia correspondia a uma habitação permanente e que do processo constam também a certidão permanente do registo predial e a caderneta predial urbana. Todavia, segundo os registos de Aníbal Henriques nas Finanças, a alteração de morada fiscal ocorreu apenas a 18 de setembro de 2017, três meses depois do incêndio. Até aí, o seu domicílio fiscal era na Rua dos Castanheiros, também no concelho de Pedrógão Grande.
E mais: de acordo com fontes locais ouvidas pela VISÃO, a casa estaria num avançado estado de degradação, dado que ninguém ali morava desde a morte de António Henriques.