Em Pedrógão Grande, já são poucos os que tentam domesticar a revolta que há um ano, desde o trágico incêndio que lavrou a 17 de junho de 2017, os vai consumindo. Ao luto pela morte de 66 pessoas – contabilizando as perdas nos concelhos limítrofes – soma-se a indignação provocada pelos trabalhos de reconstrução e acumulam-se as denúncias contra dezenas de vizinhos que terão beneficiado de apoios indevidos. Os relatos, até este verão feitos em surdina e quase abafados pelo ruído de betoneiras, picaretas e serrotes, tornaram-se audíveis – e chegam acompanhados da cartografia das alegadas injustiças.
Na edição nº 1324, que foi para as bancas a 19 de julho, a VISÃO revelou os primeiros esquemas utilizados para fintar os regulamentos e que, conjuntamente, implicariam um desvio de meio milhão de euros – o montante poderá, afinal, ser substancialmente superior – de donativos destinados a obras urgentes para reconstruções de casas que não eram prioritárias – algumas não tinham residentes ou nem sequer arderam. O truque de alteração das moradas fiscais em datas posteriores aos fogos funcionou, mas agora o Ministério Público já tem em sua posse 113 processos de apoio (21 dos quais decorrentes do trabalho da VISÃO e de duas reportagens subsequentes da TVI).
Este é o terceiro caso polémico:
Maria Fátima Nunes (e o marido, Francisco Ferreira da Silva) requereu apoio para uma casa na Rua da Lomba, no Ramalho, também em Vila Facaia. Na reconstrução, que está a ser levada a cabo pelo Revita, foram aplicados 56 493,90 euros. Ainda assim, no processo que chegou à CCDRC, a própria admite viver numa casa arrendada em Figueiró dos Vinhos.
Maria Fátima Nunes invocou estar na posse do imóvel há 36 anos, o que lhe daria direito à propriedade por usucapião. A câmara municipal validou a informação e justificou o facto de, à data do incêndio, a requerente não ter a propriedade da casa por causa da burocracia inerente a esse registo.
Além disso, embora a CCDRC tenha referido que a candidata comprovou que aquela era a sua habitação permanente, com faturas de água e de luz, só a 5 de fevereiro deste ano Maria Fátima Nunes assumiu como domicílio fiscal a Rua da Lomba. Pequeno pormenor: o marido, que em 2016 alterara a morada fiscal em sintonia com a mulher (para a Rua Teófilo Braga, em Figueiró dos Vinhos), desta feita não a acompanhou, continuando com a morada da casa que ambos têm arrendada.