Todas as quartas à tarde, Célia Pilão abre o salão nobre do Hospital dos Capuchos e sorri. Defronte da porta, surge uma sósia de A Origem do Mundo, de Courbet, rodeada de narizes carcomidos. O hiper-realismo das 266 figuras de cera pedidas às Academia de Belas-Artes pelos médicos Sá Penella e Caeiro Carrasco, nos anos 30 e 40, não lhe mete medo. Gosta de ver as pestanas e os pelos púbicos verdadeiros, e as manchas que terão sido obra de pintores da Vista Alegre. Sente-se bem entre tantas caras conhecidas.
“Tratamos alguns pelo nome, gostamos deles”, dirá antes de falar de Maria, uma ama de leite indemnizada por ter apanhado sífilis a amamentar. “Uma doença profissional reconhecida há mais de cem anos!”, entusiasma-se a administradora da área do Património Cultural dos antigos HCL, como se contasse pela primeira vez as histórias que fazem do Museu da Dermatologia Portuguesa uma visita deliciosa.
Numa visita sem guia, as figuras são repugnantes por causa das lesões da sífilis. É quando Célia Pilão conta que foi Thomaz de Mello Breyner, diretor da enfermaria de Santa Maria Madalena no Desterro (para onde iam as meretrizes) e médico do rei D. Carlos, a interceder junto da Misericórdia para Maria ser indemnizada, que tudo encaixa. Se o avô de Sophia não se tivesse interessado, o rei não lhe teria dado o microscópio que a administração recusou por não haver dinheiro “para extravagâncias”. Nem Sá Penella se lembraria de pedir aos doentes para se fazerem os moldes que fascinam estudantes e escultores.
[Célia Pilão T. 963 997 916]