
Pão de triga-milho, da Padaria da Esquina
D.R.
Começamos por falar sobre pão. De seguida, acrescentamos a expressão “pão de antigamente”. Para sermos mais específicos, adicionamos “pão de fermentação longa”. Por fim, polvilhamo-lo com a palavra mágica: massa-mãe. Depois vai tudo ao forno. Saia o que de lá sair, há sempre um nome que vem à baila no meio do vapor – Mário Rolando. Fomos encontrá-lo na sua oficina, perto de Sete Rios. Todo ele é farinha, e está feliz com isso. Desde maio que passa aqui os dias, que começam de madrugada e se prolongam até quase de noite. Não admira: há que produzir cerca de 350 pães, com a marca Padaria da Esquina. “Não copiamos. Este pão é só nosso. Aqui, intuímos, não fazemos só porque os outros fazem. Chegamos a estas misturas preservando técnicas, processos antigos, respeitando as etapas e escolhendo as melhores matérias-primas.”

Mário Rolando, um dos maiores especialistas em fermentação lenta, abriu, com Vítor Sobral, a Padaria da Esquina
Jorge Simão
Mário Rolando, 49 anos, é o padeiro-fetiche em Portugal. Todos os outros, e agora são muitos, já passaram pelas suas mãos ou pelo menos já aprenderam alguma coisa com ele. É que, além de executar, Mário dá formação. Aproveita, nessas ocasiões, para enaltecer aquele que considera o alimento mais importante, o suporte da vida: “Podemos ficar só a pão e água.” Fala com tanta paixão que nós decidimos ir, logo a seguir, à Padaria da Esquina, que abriu em julho, onde se pode provar todas as suas criações. Optámos por uma sanduíche de autor (abertas, à nórdico), de pão de espelta, com requeijão, azeitonas e coentros, e sentimos as suas palavras inspiradoras a cada dentada – este pão é de facto diferente. Na montra há ainda, entre outras especialidades, pão de mistura (€2,90), broa de milho (€3,25), cacetes simples e de sésamo (€2,50) – e produtos de charcutaria portugueses que podem servir de conduto.
José Carlos Carvalho
CUIDADO COM OS BURLÕES
Mário alertou-nos para o facto de esta área estar cheia de burlões, porque ninguém verifica o que se passa nas padarias que anunciam produtos de fermentação lenta ou o uso de massa-mãe. Ninguém fiscaliza, mas nós espreitámos o fermento natural que Cláudia Bicho, 38 anos, alimenta todos os dias, na sua Micro Padaria, na Graça, aberta desde janeiro. Há uns anos, esta ex-cientista quis mudar de vida e, dentro dessa mudança, sonhava ter um lugar fora da caixa. “Este projeto é meu, do princípio ao fim.” A quem se espanta com isso, responde com uma palavra: “organização”. Às seis da manhã, já aqui está para pôr a cozer a massa que deixou a levedar na véspera e, depois, começa a amassar a do dia seguinte. Assim garante que, diariamente, menos ao domingo, haja à volta de 60 pães de cerca de meio quilo e de diferentes sabores à venda nesta padaria: trigo, trigo e centeio, integral, sementes de sésamo e trigo e polenta (de €2,30 a €2,70). Também pode calhar que Cláudia tenha acrescentado um só de centeio ou outro de nozes e de tâmaras à oferta. Tudo se passa à nossa vista, menos a parte em que a massa vai para o frio, porque o frigorífico está na cave. Apesar de ser micro, ainda há onde nos sentarmos para comermos as torradas que Cláudia imaginou, com queijo-creme, pimenta e flor de sal, ou manteiga de amendoim e doce caseiro.

A Isco, Pão e Vinho abriu no Bairro de Alvalade
Luis Barra
Se recuarmos uma década, podemos dizer que o projeto de Paulo Sebastião, 33 anos, também nasceu de uma mudança de vida da Engenharia Informática para a padaria. Se essa reviravolta não se tivesse dado em Estocolmo, onde viveu até ao ano passado, hoje o bairro de Alvalade não teria a Isco, Pão e Vinho. “Eu faço pão; os outros fazem outra coisa qualquer que leva 20 ingredientes, quando só são precisos três” – é o que ele acrescenta quando lhe dizem que fabrica algo diferente. Guarda duas massas-mãe – uma de trigo, outra de centeio –, mas a alguns pães não lhes junta este fermento natural, como é o caso das baguetes. Os exemplares de um quilo, que são vendidos às metades, obedecem a todos os preceitos. “Mal sai do forno, o pão começa a perder humidade, mas os maiores podem durar quatro a cinco dias, com a parte cortada virada para a tábua e com um pano por cima a tapar. Quando se vai comer, apara-se uma fatia muito fininha e, lá por dentro, o pão está na mesma fresco”, garante.
Nesta nova padaria lisboeta, há fornadas ao longo do dia, porque a massa está no frio e vai saindo consoante as necessidades. Paulo prefere concentrar-se no pão e, por isso, compra as farinhas aos melhores fornecedores para conseguir bons exemplares de trigo (€3,50), de mistura (€4) e de espelta (€4,50), bem como de outras edições especiais, que vão saindo consoante a sua imaginação. Como se trata de um negócio artesanal, há sempre o risco de batermos com o nariz num papel que anuncia rutura de stock.

Diogo Amorim, da padaria Gleba
Mário João
E DURAM E DURAM
Esta apetência pelo pão ancestral nasceu com a abertura da Gleba, no início de 2017, em Alcântara. Diogo Amorim, 22 anos, arriscou ao idealizar uma padaria à moda antiga, onde até se moem os cereais comprados a pequenos produtores nacionais e onde todo o processo se faz de forma tradicional. Desde então, a Gleba criou uma legião de fãs e fornece, também, uma série de restaurantes. E, como se viu, serviu de inspiração a muitos outros, mostrando que há pessoas interessadas em comer pão a sério, daquele que fermenta cá fora em vez de fazê-lo no estômago.
Até a Padaria Portuguesa, conhecida por uma produção industrial, mudou de rumo – ou, pelo menos, parte da sua produção. A partir de 1 de outubro, o pão criado no LAB passará a estar disponível em todas as suas 59 lojas, saindo da fábrica de Marvila. A saber: espelta, mistura, trigo, centeio, broa de milho e de centeio (de €2,40 a €2,70). Carlos Pina, 44 anos, diretor de qualidade e inovação, garante que, para estes pães grandes, só se usam leveduras naturais, que ficam a fermentar durante a noite e que são refrescadas pela manhã, num processo contínuo de alimentação. As massas, depois de misturadas, repousam em cestos a 5 graus. Com isto, vão ganhando a acidez da carga microbiana das farinhas. “Têm maior longevidade, aroma e sabor”, assegura. Depois, explica o padeiro Paulo Gonçalves, 39 anos, “a cozedura confere o crocante caramelizado à côdea, pela libertação dos açúcares naturais da farinha em contacto com o calor”. Até ao final do ano, garantem, haverá outras variedades disponíveis neste laboratório.

O pão de sementes do Crouton, na Rua de São Bento
Não é na variedade que Cézar Rodriguez, brasileiro radicado em Portugal há duas décadas, aposta. No Crouton, nasce, todos os dias, um pão muito especial, a remontar ao que antes se fazia nas aldeias. Isto não é uma padaria, mas também me custa dizer que se trata de um restaurante, porque só há pizzas. A partir das quatro da tarde, a porta abre-se para os clientes assíduos, que sabem que, nesta loja na Rua de São Bento, há pão de qualidade: um de trigo (€4 por um quarto), outro de sementes (€6 por um quarto). O máximo que aqui se coze é 30 quilos, pelo que não estranhamos, pois, quando nos diz que é muito comum a fornada esgotar. O resultado nem sempre é igual, mas há coisas certas: “Selamos bem o miolo, que se mantém húmido durante dias.”
NO SUPERMERCADO TAMBÉM HÁ BOM PÃO
A Tartine já abriu há sete anos no Chiado e, discretamente, foi pioneira no fabrico de forma cuidada. Tornou-se famosa pelos seus brunches, mas o que vemos, mal passamos a porta, é a montra onde o pão está exposto. E, com sorte, é a Isabelinha, 57 anos, quem nos atende. Sabe a cartilha de cor e dispensa as cábulas na hora de discorrer sobre os produtos que vende. Nem todos os exemplares levaram isco, como chamam aqui ao fermento natural; por isso, deixamos a lista dos que vale a pena provar, cozidos logo pela manhã: Tartine, broa, baguetes, pão alemão, pão muesli e integral biológico. Quando estes acabam, não há senão lamentar – ou então ir a um supermercado biológico. É que já existem três marcas a fazerem pão diferenciado apenas para distribuição.
A Pachamama é uma delas. Maria Aroeira, 40 anos, e Miguel Abreu, 47, começaram a fazer pães para o couvert do restaurante de comida saudável Pachamama, que existiu em Santos (está, por enquanto, fechado). Tiveram tanto êxito que passaram a vendê-lo aos clientes mais assíduos, mas a produção ainda acontecia apenas no restaurante. Quando assinaram um contrato com o maior supermercado biológico, mudaram–se para uma fábrica em Benfica – hoje dão vazão a cerca de mil pães por dia. No entanto, o processo mantém-se artesanal, a massa leveda durante 24 horas e é alimentada com massa-mãe. A sua diferenciação está no facto de o pão ser todo biológico, de não levar trigo e, ainda, nas receitas: espelta com matcha, espelta com curcuma e pimenta-preta, por exemplo. O preço recomendado é 3 euros por 450 gramas. As três versões que não têm glúten – batata-doce e coco, cânhamo e aveia – pesam só 300 gramas.

Nos pães da Bão, só entra farinha sem glúten: trigo-sarraceno, banana verde, castanhas ou alfarroba
Ângela Silva, 43 anos, criou a Miolo em 2010, e já nessa altura fugia do glúten. Em outubro, inaugura a Bão, Organic & Gluten Free, uma padaria que só abrirá ao público à quarta-feira, mas que estará sempre a labutar nas receitas em que Ângela andou a magicar no último ano, desde que deixou a Miolo seguir o seu caminho. É o caso de farinhas de trigo-sarraceno, banana verde, castanhas ou alfarroba, algumas delas moídas na sua nova fábrica em São João do Estoril. Em vez da massa-mãe, preferiu arriscar numa fermentação de frutas e de legumes, muito usada no Japão. “Obtive resultados muito consistentes e sem qualquer acidez.” Neste novo negócio, dará prioridade às vendas online e à distribuição para supermercados biológicos – tudo está certificado para uma produção sem químicos e apta para celíacos ou alérgicos ao glúten.
OS NOVOS PADEIROS DO PORTO
Quando, em 2013, começou a fazer o próprio pão em casa, o fotógrafo Filipe Melo não escondeu a sua surpresa: “Mas isto é que é pão!” Filhos, família e amigos foram as cobaias de uma experiência que haveria de transformá-lo em padeiro. Da produção, uma vez por semana, passou para as quase 300 unidades diárias, que saem da padaria que abriu no Bonfim, em 2015, juntamente com uma mercearia biológica. O Pão Nosso, a primeira marca do Porto certificada de pão de fermentação longa, feito com farinhas biológicas, oriundas de Itália, tem, agora, 13 variedades (mistura, centeio, cevada, arroz, paleo, kamut, espelta, trigo einkorn, amaranto, alfarroba, fibras, cinco cereais e low carb, as cinco últimas sem glúten, todas a partir de €1,90). “O pão que fazemos hoje é diferente do que fazíamos há cinco anos, e, se calhar, daqui a outros cinco também o será”, diz-nos, enquanto tem a massa no forno, após um processo de levedação de mais de 18 horas.
Lucilia Monteiro
A humidade do ar ou o próprio calor das mãos de quem amassa são fatores que influem neste pão, que leva apenas farinha, água e massa azeda – o fermento natural que Filipe criou há cinco anos e que ainda mantém. Ao padeiro autodidata juntar-se-ia, mais tarde, o investigador bioquímico Paulo Herbert, 51 anos, desde sempre preocupado com questões ambientais e de sustentabilidade. Um e outro sentem-se realizados com os novos caminhos tomados. “Sinto muito orgulho. Sou padeiro, porque quero sê-lo”, diz, Filipe, de sorriso aberto.
“Faço uma coisa que acrescenta valor, tanto a mim como aos outros”, diz Cristina Teixeira, da Garfa
Lucilia Monteiro
Também Cristina Teixeira, 40 anos, licenciada em Marketing, trocou, há dois anos, uma carreira na área do retalho numa multinacional pelo trabalho de padeira a tempo inteiro. Começa o dia às cinco e meia da manhã, quando chega à Garfa, a padaria que fez nascer em Custóias, Matosinhos, depois de várias formações na Alemanha e em Espanha. “Não ando bonita, visto um avental e não pinto as unhas”, ri-se, enquanto vai buscar ao frigorífico um pão de trigo – que fermentou durante mais de 14 horas em cestos de rattan (bambu), facilitando o processo de fermentação natural – e o põe no forno durante meia hora.
Da sua padaria, saem vários pães biológicos: trigo, integral, azeitonas e alecrim, sementes de sésamo, passas, beterraba fresca, alfarroba, espelta, kamut, sarraceno e arroz com sementes de chia e de linhaça (os dois últimos sem glúten, a partir de €1,85). “É um negócio de amor que nunca será tão rentável quanto uma padaria tradicional”, nota. Mas Cristina está visivelmente feliz. O interesse pelo fabrico de pão de fermentação lenta surgiu numa altura em que, por causa do trabalho, passava meses fora de casa. “Alimentava-me mal e comecei a sentir os efeitos disso.” Na Garfa, o dia a dia é intenso, e eu “mal tenho tempo de ir à procura de clientes”. São, portanto, eles que lhe batem à porta e que levam o seu pão para restaurantes e mercearias, conta- -nos. “Faço uma coisa que acrescenta valor, tanto a mim como aos outros”, congratula-se.
Ana Fonseca, a mentora do Pão da Terra
Ricardo CasteloNFACTOS
O mesmo afirma Ana Fonseca, da Pão da Terra: “É quase uma ação social; estamos a dar saúde às pessoas.” A padaria aberta há um ano, no Mercado de Matosinhos, perto das bancas de legumes e fruta, é das poucas em que o cliente assiste ao fabrico. Ana, 32 anos, deixou a meio o curso de Arquitetura e ainda fez voluntariado no Equador. Agora é quase sempre ela quem mete as mãos na massa. E há um longo trabalho a fazer, antes de as sete variedades – mistura, sementes, espelta, azeitonas, nozes e passas, alfarroba, trigo (a partir de €2) –, feitas com farinhas biológicas moídas em mó de pedra (em Espanha), saírem do forno a partir das oito da manhã, de terça a sábado (dia de maior produção). Porém, Ana tem ainda outro sonho: o de vir a fazer pão com o trigo barbela que já semeou numa quinta em Baião. Talvez para o ano, ela venha a fazer uma pequena produção, totalmente controlada, desde a colheita do cereal.
Ana Rocha, 32 anos, não imaginava passar os dias a mexer em farinhas, ao invés das pipetas no laboratório de Química. Após anos a viver entre Porto e Lisboa, cansada de não se sentir realizada profissionalmente, surgiu-lhe a oportunidade de adquirir toda a maquinaria de uma marca do Porto, a Por Amor ao Pão, que fechou. E ela, que já fazia pão para os amigos, não olhou para trás. Há mais de um ano que, a partir da Pão da Mó, em Vila Nova de Gaia, saem pães feitos com farinhas nacionais moídas em mó de pedra, disponíveis por encomenda: os família (dois trigos e centeio escuro), centeio, integral, nozes, sementes tostadas, castanho (kamut integral e alfarroba), e o da semana, que varia entre alecrim, algas, tomate seco e orégãos, curcuma e amoras brancas (a partir de €2). Por ora, a Química está em suspenso. “Anda muita gente feliz com o meu pão”, diz, satisfeita – e isso basta-lhe.
As farinhas do Pão da Mó são moídas em mó de pedra
Lucilia Monteiro
TOME NOTA
LAB, Padaria Portuguesa Lisboa
Av. da República, 39, Lisboa > T. 21 793 1571 > seg-dom 7h30-21h
Micro Padaria Lisboa
R. Angelina Vidal, 35 A, Lisboa > T. 96 773 0194 > seg-sex 9h-14h, 16h-19h sáb 9h-14h
Isco, Pão e Vinho Lisboa
R. José D’Esaguy, 10D, Lisboa > T. 21 134 5751 > ter-sex 10h-19h, sáb 9h-17h
Tartine Lisboa
Rua Serpa Pinto, 15A, Lisboa > T. 21 342 9108 > seg-sex 8h-19h, sáb-dom 10h-19h
Padaria da Esquina Lisboa
R. Coelho da Rocha, 108, Lisboa > T. 21 419 3143 > ter-dom 8h-20h30
Crouton Lisboa
R. de São Bento, 337A, Lisboa > T. 21 099 8174 > qua-dom 15h-22h
Bão, Organic & Gluten Free Lisboa
R. Cônsul Aristides de Sousa Mendes, 42A, S. João do Estoril > Encomendas T. 21 822 2589
Gleba Lisboa
R. Prior do Crato, 14-18, Lisboa > T. 96 606 4697 > qua-sáb 9h-20h, dom 9h-15h
Pachamama Lisboa
R. Augusto Costa Costinha, 10A, Lisboa > T. 91 249 5235 > à venda em supermercados biológicos e grandes superfícies
Garfa Porto
R. Joaquim Ribeiro, 255, Custóias > T. 22 316 7319 / 93 885 5307 > sáb 10h-12h30 (loja da padaria)
Pão Nosso Porto
R. Barão de S. Cosme, 187 > T. 22 405 9817 > seg-sex 10h-20h, sáb 10h-15h
Pão da Terra Porto
R. França Júnior, Mercado Municipal de Matosinhos, loja 25, Matosinhos > T. 93 206 5829 > ter-sáb 8h-18h
Pão da Mó Vila Nova e Gaia
Encomendas T. 91 344 8987