Pela primeira vez, um caso judicial fez cair um primeiro-ministro e o seu governo. E, ao contrário do que sucedeu em muitos outros “casos e casinhos”, o processo desenrolou-se de forma inesperada, rápida e sem subterfúgios. Bastou ter sido informado por um “comunicado de Imprensa da PGR” – conforme fez questão de sublinhar repetidas vezes na sua comunicação ao País – de que iria ser alvo de um inquérito do Supremo Tribunal de Justiça, por causa de negócios do hidrogénio e do lítio, para António Costa apresentar a sua demissão. Nessa sua decisão, ficou eloquentemente sublinhado um dos pilares de um regime democrático adulto e consolidado: a independência do poder judicial face ao poder político.
No entanto, embora a manhã alucinante de 7 de novembro marque o fim de um ciclo político em Portugal, com a queda de um Governo que ainda há menos de dois anos tinha ganho as eleições com maioria absoluta, a história não acaba aqui. Inicia-se, aliás, um outro período que será determinante para o futuro da democracia: o grande teste ao funcionamento e à credibilidade da Justiça.
Apesar das greves de médicos e professores ou dos vários apelos da oposição a Marcelo Rebelo de Sousa para usar a “bomba atómica” da dissolução do Parlamento, a verdade é que este Governo não caiu por causa da contestação ao funcionamento dos serviços públicos, dos resultados económicos ou por divergências entre os seus membros. O Governo demitiu-se, sim, por intervenção da Justiça. É legítimo que assim seja, perante as suspeitas existentes e o grau de envolvimento de vários membros do Executivo, de quem o sistema judicial tem de ser autónomo. Mas tudo isto faz aumentar ainda mais a exigência sobre a Justiça.
O desafio foi lançado pelo próprio António Costa, quando declarou não lhe “pesar na consciência a prática de qualquer ato ilícito ou sequer censurável”. Dito por outras palavras, terminou o tempo da política e iniciou-se o tempo da Justiça.
É absolutamente necessário, agora, que esse tempo seja rápido e conclusivo. É da máxima relevância que o “caso” que fez cair o Governo esteja suficientemente blindado e suportado em indícios acima de qualquer suspeita ou até de dupla interpretação.
Perante tudo o que há de inédito neste processo, é preciso que este caso não se arraste durante mais de uma década, como se viu na Operação Marquês. Como também se pede que não se repita tudo o que sucedeu no processo dos Vistos Gold, que levou à queda de um ministro da Administração Interna e de um diretor do SEF, que acabaram, depois, absolvidos em tribunal. Ou também o que aconteceu no caso Tancos, em que foi o próprio Ministério Público a pedir a absolvição do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, por não ter, afinal, provas concludentes para o acusar. E o País que ainda quer acreditar na democracia também deseja que a separação entre política e Justiça se mantenha nos dois sentidos e não seja, por isso, utilizada como arma de arremesso na campanha eleitoral que se avizinha.
Os próximos tempos serão decisivos para se apurar a verdade, para se confirmar ou desmentir as suspeitas que se criaram. No fim, saberemos quem ficará, afinal, com o peso na consciência. Se é que esse fim algum dia chegará…
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