Alguém acredita que a “solução” governativa encontrada por Passos Coelho e Paulo Portas é estável e duradoura? Não interessa, desde que a Europa e os nossos credores acreditem.
Alguém acredita que a crise política está ultrapassada? Não há problema, desde que a Europa e os nossos credores acreditem.
Alguém acredita que as eleições antecipadas podem ser uma solução para o problema? Pois, só se a Europa e os credores também acreditarem é que iremos a votos…
Alguém acredita que vamos entrar agora na era do investimento, como anunciou Vítor Gaspar na sua carta de despedida? Bem, duvido que nisso até mesmo a Europa e os nossos credores acreditem… mas, a verdade, é que também ninguém o desmentiu categoricamente, pois é preferível manter a ilusão de que, finalmente, vêm aí muitos milhões para gastar e até, pasme-se, uma série de novos ministros para os distribuir.
Durante dois anos, Vítor Gaspar foi o principal artífice deste país do faz de conta. Desempenhando, voluntariamente, o seu papel de bom aluno, ele foi sempre anunciando que estávamos a utilizar o método adequado para combater a nossa frágil situação financeira, mesmo que a realidade o fosse desmentindo, sucessivamente (parecia o homem que, numa anedota célebre, ouve no auto-rádio o aviso de que há um condutor em contra-mão na auto-estrada e, rapidamente, se indigna: “Um? Não, são todos!”). Com a sua obstinação, ele criou a ideia – agora enraizada – de que se ganha mais a projectar uma boa imagem para o exterior, do que a tentar resolver a realidade e as dificuldades cá dentro. E, com as suas previsões sucessivamente erradas, acabou por dar uma dimensão quase estatística ao faz de conta – não interessava que números se apresentavam, o importante era que fossem “bem lidos” lá fora.
É assim, mais uma vez, que estamos quase a resolver a crise política em que, inesperadamente, mergulhamos há uma semana. A avaliar pelos últimos acontecimentos, mais importante do que saber como vão ser distribuídos os ministérios entre o PSD e o CDS é perceber como Maria Luís Albuquerque foi acolhida, como ministra das Finanças, na sua primeira reunião do Ecofin. É preciso fazer de conta que continuamos a ser bons alunos – mesmo que saibamos que só interessa a nota dos professores de lá de fora.
Durante anos, fizemos de conta que eramos ricos e gastámos mais do que tínhamos. Agora, fazemos de conta que vivemos numa situação política estável… e cada vez temos menos para gastar.