Os três procuradores da Operação Influencer consideram que, ao contrário do que decidiu o juiz de instrução, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, deve ser indiciado pelo crime de corrupção e que Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária devem ser indiciados pelos crimes pelos quais foram detidos. Ao mesmo tempo, João Centeno, Hugo Neto e Ricardo Correia Lamas defenderam, no recurso que contesta a decisão do juiz Nuno Dias Costa de 13 de novembro, que o ex-ministro João Galamba, já constituído arguido no processo, foi o “mentor” de uma iniciativa legislativa para favorecer a empresa Start Campus, que construiu o centro de dados, em Sines, obra que está no centro desta investigação judicial.
De acordo com informações recolhida pela VISÃO, os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) pedem a revogação do despacho do juiz de instrução que, simplesmente, “apagou” o crime de corrupção imputado ao autarca de Sines, afirmando que os indícios recolhidos apontam para um “ato prometido/pretendido/projetado, para o qual o arguido Nuno Mascarenhas tinha clara competência e que era contrário aos deveres do cargo”, isto é, a celeridade alegadamente prometida aos promotores do centro de dados. Segundo o Ministério Público, existiu um “compromisso de encurtar o mais possível os prazos” até à marcação de uma reunião camarária, o que é, defenderam, “um ato com relevo para a imputação do crime de corrupção”
Quanto às contrapartidas em causa – cinco mil euros de patrocínio ao Festival Músicas do Mundo e outra quantia não apurada às equipas de futebol jovem do Vasco da Gama -, que tanta polémica pública suscitaram, os procuradores referem que a lei não obriga a que a vantagem do crime seja entregue ao próprio, podendo “ser destinada a terceiro”.
Ainda que, admitem os magistrados do MP, “o patrocínio para o festival ou para o clube de futebol manifestamente não são, nem podem ser, contrapartida para o andamento mais célere de um procedimento administrativo”, os indícios recolhidos pela investigação deveriam levar o juiz não a rejeitar liminarmente as imputações, mas sim equacionar se, em causa, em vez de corrupção, poderia estar um crime de recebimento indevido de vantagem.
Por outro lado, se, como resulta de algumas escutas telefónicas, se entender como “fortemente indiciado” que Nuno Mascarenhas “pretendia, afinal, que o patrocínio fosse de valor muito superior” e que os gestores da Start Campus não aceitaram tal proposta, “sempre teria de se subsumir tal conduta a um crime de corrupção passiva agravado, agindo Diogo Lacerda Machado não como co-autor do crime de corrupção ativa, mas como co-autor do crime de corrupção passiva”, argumentam os magistrado do MP, citando uma escuta, na qual os intervenientes referem que o autarca de Sines estaria à espera de mais dinheiro para o festival de música e para o clube de futebol.
No recurso que será analisado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público refere ainda que João Galamba é suspeito de vários “crimes”, mas que, por agora, o que está fortemente indiciado é o diploma do “Simplex Industrial”, aprovado em Conselho de Ministros, em outubro de 2023. Para o MP, “foi efetivamente introduzida no diploma uma norma que alterava o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, aditando uma alínea que permite a dispensa de licenciamento em operações urbanísticas, em termos equiparáveis a obras promovidas pela Administração Pública, quando promovidas por entidades privadas em parques industriais, empresariais ou de logística, relativamente a projetos reconhecidos como PIN”.
Isto foi, de acordo com os procuradores, “uma lei à medida”. Aliás, recordando os factos descritos na indiciação – os contactos telefónicos entre João Galamba, Diogo Lacerda Machado e Afonso Salema – o Ministério Público considerou que “o arguido João Galamba não só atuou conluiado com os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, como foi, na verdade, o autor e verdadeiro mentor” dos factos.
Nos interrogatórios de novembro do ano passado, Afonso Salema, gestor da Start Campus, admitiu ter sido contatado por João Galamba, enquanto o seu sócio, Rui Oliveira Neves, afirmou que a sua intervenção no pacote legislativo do “Simples Industrial” foi “uma chico-espertice”. “Não estive bem, fui guloso, nem fui inteligente”, referiu ao juiz de instrução, segundo a transcrição do Ministério Público.
Quanto a Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, o recurso do Ministério Público vai no sentido de ser mantida a indicação inicial para ambos. Tráfico de influência, prevaricação e corrupção ativa (Lacerda Machado); tráfico de influência e dois crime de prevaricação (Vítor Escária). Para os procuradores João Centeno, Hugo Neto e Ricardo Lamas, há indícios de que o melhor amigo do primeiro-ministro usou e abusou da sua influência em favor da empresa Start Campus.
Por sua vez, Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de António Costa, terá colaborado nesse plano, defende o MP, pressionando até a secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura.
Defesas contestam suspeitas
Os advogados dos principais arguidos já apresentaram também os respetivos recursos quanto às medidas de coação impostas pelo juiz Nuno Dias Costa: caução de 150 mil euros para Diogo Lacerda Machado e proibição de se ausentar para o estrangeiro e esta última medida também aplicada a Vítor Escária.
A defesa de Lacerda Machado vincou a existência de falta de provas na Operação Influencer. Para Magalhães e Silva, advogado deste arguido, foi o facto de, nos últimos anos, ter sido apontado publicamente como o “melhor amigo do primeiro-ministro” que levou o seu cliente a estar envolvido neste caso. Só que, sublinhou, “não há nos autos qualquer indício de que o arguido tenha falado alguma vez com o primeiro-ministro sobre o projeto de construção” do centro de dados, em Sines.
Já Tiago Bastos, que representa Vítor Escária, argumentou que “na falta de elementos, o Ministério Público permitiu-se construir uma estória baseada em suposições: a suposição da existência de um pacto criminoso, a que se junto a suposição do altruísmo” de Vítor Escária, “que nada pediu ou aceitou para si como contrapartida para se pôr a cometer crimes”.