O quiosque do renovado Jardim do Campo Grande, agora batizado de Mário Soares, dá nas vistas. É vermelho-sangue e chama a atenção até de quem espreita pela janela de um carro apressado ao passar nas laterais junto a Alvalade. No entanto, pelo menos para já, não vale a pena travar a fundo para ir aproveitar as cadeiras que sossegadamente se arrumam perto do parque infantil e beber uma limonada fresca – ainda está de portas fechadas.
Começar um texto sobre quiosques lisboetas a escrever sobre um que não está operacional só se justifica com o que vamos acrescentar a seguir: o concurso para a sua exploração contou com 33 candidaturas, número que há poucos anos seria impensável de atingir. Esta afluência de interessados resulta em rendas elevadíssimas, que podem chegar a cinco mil euros por mês, apesar de se tratar sempre de espaços pequenos e nem sempre proporcionarem grandes confeções culinárias. O vencedor já está escolhido, apenas com base na maior oferta, como um leilão. A concessão por 12 anos foi parar à empresa Déjà Vu, que explora vários quiosques em Lisboa.
É para um dos mais recentes que vamos, aproveitando o calorzinho que finalmente nos empurra para as esplanadas.
Dependentes de São Pedro
Neste Déjà Vu, que nasceu depois da renovação da Avenida da República, nem de propósito, o sumo do dia é limonada com hortelã. Aqui, perto do centro comercial Atrium Saldanha, passavam carros. Agora há mais de 40 lugares de esplanada em cadeiras Gonçalo beges, abrigadas do calor por dois enormes guarda-sóis, mas também existem mantas vermelhas, para quando o tempo não ajuda – e ultimamente nem tem ajudado nada. Além da limonada do dia, a lista contempla tostas (€3,95 a €5,50), sanduíches (€2,50 a €3,75), hambúrgueres (€5,50 a €6,50), wraps (€3,50 a €4,50) e três snacks, que se criaram para acompanhar a imperial (€1,30 de dia, €1,60 à noite). Se nos apetecesse até poderíamos comer ao balcão, em três cadeiras pretas altas, ou provar um dos cocktails que pouco fogem aos mojitos e gins.
A receita do Saldanha replica-se umas centenas de metros mais abaixo, no Déjà Vu Seven, em plena Avenida Fontes Pereira de Melo, colado ao que nos habituámos chamar edifício da PT. Porém, o que vão explorar no Campo Grande fugirá da fórmula, porque imaginam clientes diferentes. A ementa até pode ser parecida, mas os ingredientes utilizados serão mais saudáveis, ou não houvesse um ginásio mesmo lá ao pé. Pedro Costa é um dos sócios desta empresa que se especializou em quiosques. “Trata-se da única coisa que se pode abrir numa praça lisboeta, o resto é incomportável.”
Aqui não há agenda para os espetáculos de final de dia, mas existe uma forte probabilidade de ouvirmos o músico Abel a tocar saxofone, especialmente quando a meteorologia o permite. Também pode dar-se o caso de o som estar a cargo de um duo de guitarra e bateria, mas o ritmo andará sempre a rasar o soul.
Do outro lado da Praça Duque de Saldanha, também poderá haver música ao cair da tarde, e isso anuncia-se, semanalmente, nas redes sociais do Quiosque Lisboa. Avisamos já que este nome contaminou a cidade – são para cima de meia dúzia os que levaram este batismo (a empresa ficou com os Quiosques do Refresco, que antes pertenciam a Catarina Portas).
Francisco Mirra, um dos sócios, define a filosofia destes quiosques como se tratando de um tipo de “snack-bar, sempre com esplanada” e foi isso que teve em mente quando elaborou a ementa. Já não se pode beber groselha ou capilé, como dantes, mas ainda sobrevive o mazagran (€1,90). E agora aposta-se no Porto tónico, bebida com cheirinho a Portugal. Mas, já se sabe, o que sai bem é a cerveja, sempre a cerveja. Não podemos ajuizar, porque de facto é o que vai melhor com um pastelinho de bacalhau ou um croquete de vitela (€1,50). No entanto, queremos ressalvar que a empanada (€2) cai que nem ginjas, assim em forma de grab and go.
Como os quiosques estão abertos todos os dias, de manhã à noite, as ementas devem responder a todo o tipo de solicitações. Aqui, por exemplo, tanto se pode comer um açaí com granola (€5) como uma sopa de ervilhas (€2,50) ou uma tábua de presunto e queijo (€10). Os ecrãs, que têm servido para transmitir os jogos do Mundial, também comunicam as promoções do grupo – depois das dez da noite, por exemplo, todos os produtos alimentares custam metade do preço. E, a partir de 15 de julho, nascerá o cartão cliente que dará 10% de desconto imediato.
Estes saldos serão de grande utilidade no quiosque do Cais do Sodré, que ainda pertence ao senhor Hermínio, de 88 anos. Porém, desde que reabriu, depois das intermináveis obras que expulsaram os autocarros da praça, a gestão ficou a cargo deste grupo. Será de enorme utilidade, reforçamos, porque aqui os preços estão inflacionados: o mesmo produto, que se vende no Saldanha a €7,50, pode levar com mais um euro em cima, só porque estamos numa zona mais turística e se tem uma vista, ótima por sinal, para o Tejo.
Retomar a tradição
Quando apareceram em Lisboa, em finais do séc. XIX, estes pequenos espaços comerciais tinham de tudo: tabaco, revistas, jornais, lotarias, refrescos e petiscos. Encontravam-se, como hoje, nas principais praças e largos, na zona ribeirinha e na Avenida da Liberdade. Depois, as rotinas dos lisboetas alteraram-se, os quiosques deixaram de ser ponto de encontro obrigatório e foram sendo abandonados. Só nos anos 1980 se retomou a tradição, quando a Câmara Municipal de Lisboa começou a recuperar os espaços antigos e a criar novos, garantindo também esplanadas. Desde o início deste século que o regresso dos quiosques ao nosso quotidiano é uma realidade, e ainda mais nestes últimos anos.
Nem de propósito, chegamos à Praça da Alegria para descobrir que, desde novembro, este encantador pedaço de Lisboa ganhou mais vida. Os donos do Hotel Alegria, que entretanto fechou para obras, decidiram aqui abrir uma esplanada que polvilha o jardim de cadeiras brancas com ripas de madeira clara. À tarde, está tomada por estrangeiros que mais parecem residentes, porque estão de olho nas crianças que sobem e descem o escorrega do parque infantil. Aqui, a cerveja custa dois euros e as saladas oscilam entre os €5,50 e os €6,90. Também se podem provar as taças de pequeno-almoço, a que chamam bowls, ou as tostas. Só que o ex-líbris deste quiosque são mesmo as sanduíches de bagel (de beterraba, tinta de choco ou cebola roxa), que tanto podem levar chourição (€5,50) como salmão e molho Tzatziki (€6,50). Tudo é feito aqui, note-se, à exceção da pastelaria.
São quase oito da noite, mas a coisa promete no El Quiosco, bem escondido no Jardim Lisboa Antiga, mais conhecido como de São Bento. Ouve-se música em modo chill out, pelas mãos do DJ contratado para uma festa, circulam copos de gin e rapidamente aumenta o número de pessoas que por aqui aproveita o final do dia.
Miguel Amaro, o gerente, tenta dar-nos atenção, ao mesmo tempo que responde a outras solicitações. Apesar de terem pegado neste quiosque em fevereiro e de o terem moldado para uma oferta mexicana, ainda estão em afinações. Também cozinham as carnes e os molhos aqui. Fica tudo pré-preparado, depois é só tratar dos acabamentos. “Estamos a formar a equipa para desenvolvermos mais a vertente da restauração”, explica Miguel, atirando para setembro uma real abertura condigna. “Gostava que este fosse um ponto de referência e não apenas de passagem.”
Durante o ano letivo, a esplanada enche-se de alunos do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), que se avista daqui, só que nesta altura do calendário a frequência torna-se mais eclética. E muitos pedem as saladas de inspiração mexicana, como as de pollo, cerdo ou veggie (€5). Mas os tacos são, sem dúvida, a maior sensação.
Está visto que, quanto maior é a especialização do que se serve, mais clientes fiéis se criam. Pelo menos, terá sido isso que pensaram os sócios do Mercantina antes de abrirem um quiosque só de pizzas e gelados, mesmo em frente ao primeiro restaurante italiano desta marca instalado há cinco anos, no food court exterior do Centro Comercial de Alvalade. Atenção, o que se serve aqui pouco tem que ver com o que se come dentro de portas. Lá dentro as pizzas são napolitanas, ao ar livre são romanas e vendem-se à fatia. Difícil é decidir entre oito receitas: da básica Margherita à mais elaborada, com curgete, burrata e pimenta-rosa. As farinhas são biológicas e a massa demora 62 horas a levedar, segundo os preceitos do chefe consultor Luca Belliscioni. Duas fatias e uma bebida custam €5,50, só até às sete e meia da tarde. Já os gelados são da marca Davvero e existem aqui em 12 sabores – prove o de caramelo salgado, por favor. Ainda para mais há a vantagem de se poder levar para casa (o gelado e a pizza). Está tudo preparado para o take-away.
As cervejas artesanais, vendidas no miniquiosque Oitava Colina, no reabilitado Largo da Graça, são para beber na esplanada, porque saem todas à pressão, de cinco torneiras diferentes. As bebidas fabricam-se aqui perto e, por isso, o placard que as anuncia muda todos os dias. Os preços começam em €2,50 e variam consoante a dose e o tipo de cerveja escolhido (blonde ou lager, por exemplo). Neste quiosque também se come, ou melhor, petisca-se. Enquanto há duas páginas dedicadas às bebidas, existe apenas uma que naquele dia dá conta de uma tosta de frango fumado e outra de curgete.
No Verde Lima, não se pode beber cerveja artesanal, mas os clientes mais assíduos têm um cartão que, por cinco euros, lhes dá direito a cinco imperiais. No entanto, nem é isso que distingue este quiosque que se diz saudável e se apregoa como tendo a melhor taça de açaí da cidade (€2,50 só com granola e mel, €5,50 para uma maior, a que juntam morangos e banana). Parece que ela sai a toda a hora, até com uma imperial. As saladas, diz quem sabe, são muito boas, assim como os sumos naturais. Tudo isto pode ser verdade, mas nós achamos que o maior encanto do Verde Lima é estar escondido no Jardim Amnistia Internacional, em Campolide, servido por um estranho acesso de carro que nos leva a um parque da Polícia Municipal. Só por isso, vale a pena ir até lá descobri-lo, de olhos postos em Monsanto, que fica já ali. Depois, nada melhor do que dar uns passos para se perder por entre os recantos que se criaram com o nascimento do parque hortícola. Porque, mais do que comer e beber, ir a um quiosque pode significar aproveitar a cidade com toda a propriedade.
Verde Lima, Campolide
Jardim da Aministia Internacional > T. 91 489 9957 > seg-dom 11h-21h
Déjà Vu Plaza, Saldanha
Pç. Duque de Saldanha > T. 91 546 0419 > seg-qui 08h-24h, sex-sáb 9h-24h
Quiosque Pizza&Gelato, Alvalade
Pç. Alvalade, Centro Comercial de Alvalade > T. 21 796 0313 > seg-dom 12h-19h30 (pizzas), seg-dom 12h-23h (gelados)
El Quiosco, Santos
R. das Francesinhas, Jardim Lisboa Antiga > seg-dom 10h-24h (tacos a partir das 12h)
Déjà Vu Seven, Picoas
Av. Fontes Pereira de Melo, 40 > seg-qui 08h-24h sex-sáb 09h-24h
Oitava Colina, Graça
Lg. da Graça > T. 96 397 2091 > ter 12h-20h, qua 15h-21h, qui 15h-22h, sex 15h-24h. sáb 12-24h. dom 12h-22h
Quiosque Cais do Sodré, Cais do Sodré
Jardim Roque Gameiro > seg-dom 7h-2h