Quem me conhece vai dizer que estou a fazer batota. São juízos precipitados porque estou apenas a pagar uma dívida de anos, todos os que passei em casa dos meus pais, na Travessa do Patrocínio.
O arquiteto Conceição Silva era um génio mas somos tantos irmãos que o meu quarto teve de ser roubado à varanda do primeiro andar. E a varanda tinha uns janelões rasgados e emoldurados de madeira, lindos, desenhados numa altura em que ninguém falava de vidros duplos.
No meu quarto morria-se de calor no verão e de frio no inverno, mas para esta crónica interessa apenas que os vidros eram permeáveis ao som. E o som que me embalava as noites vinha quase todo da água que nunca parava de cair no chafariz da nossa rua.
Reza a lenda familiar que estaria abandonado num armazém municipal, um triste fim para uma delícia do século XIX, três meninos que não precisam de asas para serem anjos, um deles montado num golfinho com cara de peixe. E que só ali foi colocado a pedido de um embaixador desencantado com o ar despido do largo frente à embaixada da Suíça.
Durante muito tempo o chafariz teve a companhia de duas magnólias e as suas flores brancas rivalizavam com as pombas que gostam de se espanejar na água. Um dia, elas foram substituídas por árvores sem história, até que, há três anos, os meninos ganharam por cenário um prédio-feito-jardim-vertical. Volta e meia aparecem amantes de arquitetura, e é vê-los a fazerem-se à fotografia.
Meninos nus visitados por pombas
Crónica Por Lisboa
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