O governo australiano propõe, no seu “Plano de redução de ameaças para predação por gatos ferais 2023”, um sistema de recompensas para “encorajar a caça de gatos em áreas designadas”, sugerindo a utilização de cães treinados para apanhar gatos. O plano passa ainda por incentivar os aborígenes a manter e a reforçar a sua prática de longa data de caçar gatos como fonte de alimento e de remédios tradicionais (a carne de gato é considerada uma fonte de força e saúde pelos nativos australianos).
Outra opção defendida é o envenenamento, destacando o potencial de um equipamento chamado Felixer, que dispara um gel venenoso quando o sensor deteta um animal com a forma de um gato; o animal morre ao lamber o veneno, para lavar o pelo. O estado da Austrália Ocidental, o maior do país, anunciou em junho a inclusão do Felixer no programa de controlo a cinco anos de gatos ferais.
Este documento, que acrescenta novas medidas a outras já em curso para minimizar os estragos causados pelos gatos nos ecossistemas, ainda não está terminado. Serve de base à consulta pública que decorre neste momento (e até 11 de dezembro) para que os cidadãos sugiram ideias para resolver o problema. No preâmbulo da consulta, da responsabilidade do departamento de Alterações Climáticas, Energia, Ambiente e Água, o governo de Camberra justifica a necessidade de reduzir o impacto deste “predador introduzido” com as mortes que provoca todos os anos no país: “1,5 mil milhões de mamíferos, aves, répteis e sapos nativos e 1,1 mil milhões de invertebrados”. Há 57 espécies de animais (dos quais 47 são mamíferos) consideradas “altamente vulneráveis” à predação dos mais de 8 milhões de gatos do país. Um relatório tornado público em setembro revela que os gatos são a espécie exótica com maior impacto na biodiversidade da Austrália.
“A predação por gatos é uma ameaça para mais de 200 espécies ameaçadas listadas nacionalmente e foi implicada na extinção de 28 mamíferos. [Os gatos] são uma das principais causas do declínio de muitos animais terrestres ameaçados de extinção, como o bilby, o bandicoot, o bettong e o mirmecóbio. Podem também transmitir doenças infecciosas que podem ser transmitidas a animais nativos, animais domésticos e humanos.”
Os gatos terão sido introduzidos na Austrália no início do século XIX e, em poucas décadas, espalharam-se por todo o território. Por seu lado, a popularidade dos gatos domésticos no país é hoje maior que nunca, sobretudo após a pandemia. Calcula-se que um terço das famílias tenham um ou mais gatos.
Comunidades livres de gatos
Além das ações contra gatos ferais, as autoridades australianas têm igualmente avançado com medidas para controlar o estrago ecológico causado pelos domésticos. O governo está a estudar limitar a dois o número de gatos por casa e a imposição de proibir os donos destes animais de os deixarem sair (pelo menos à noite), uma prática enraizada no país. De acordo com um estudo da professora universitária Sarah Legge, uma das maiores especialistas australianas no impacto dos gatos, um gato feral mata 748 animais vertebrados por ano, mas as 186 mortes causadas pelos domésticos também são significativas.
Encontra-se ainda em análise a possibilidade de criar “comunidades livres de gatos”, dando liberdade às autoridades locais para proibir a posse de gatos, anunciou a ministra do Ambiente, Tanya Plibersek. Já há vários locais onde foram implementadas limitações desse género, como a interdição de haver mais de dois gatos por casa ou de os felinos saírem à rua (mesmo de dia), mas estas medidas são passíveis de contestação, sobrepondo-se, nesses casos, a legislação federal. O governo australiano pretende que essas decisões locais tenham força de lei.
O combate aos gatos não é de hoje. Em 2015, Camberra traçou um plano para matar dois milhões de gatos ferais nos cinco anos seguintes, com recurso a caçadores, armadilhagem e envenenamento (um dos métodos mais utilizados é o lançamento, a partir de aviões, de salsichas embebidas numa substância tóxica para gatos e raposas, outra praga na Austrália, mas inofensiva para a fauna local). Mas os resultados ficaram muito aquém dos objetivos.
Os australianos têm-se mostrado sensíveis à necessidade de controlar as populações de gatos, apesar de algumas repercussões negativas por parte de grupos de proteção dos animais. O documentário Shooting Cats, por exemplo, que conta a história de três caçadores de gatos ferais, foi alvo de uma campanha de boicote por parte da associação Animal Liberation, de Sydney. Um dos caçadores que protagonizam o filme (Barry Green, que diz ter matado mais de 1450 felinos e vende chapéus de pelo de gato) foi mesmo vítima de ameaças de morte.
A criança que matar mais gatos ganha €150
A vizinha Nova Zelândia, onde há gatos em quase metade dos lares, tem o mesmo problema ecológico. Tal como a Austrália, o governo de Wellington apoia a matança de gatos, desde que sejam usados métodos humanos. Em abril, no entanto, estalou no país uma polémica com uma caçada em particular. Não com a caça em si, mas pelo facto de estarem envolvidas crianças.
A Competição de Caça de North Canterbury, na Ilha Sul, um evento anual aberto a adultos e crianças, anunciou que este ano, além de javalis, veados e lebres (todos eles espécies exóticas), também os gatos ferais fariam parte da lista para crianças com 14 anos ou menos – quem caçasse mais gatos entre abril e final de junho receberia um prémio de cerca de €150.
A inclusão desta nova categoria na competição foi violentamente criticada por defensores dos direitos dos animais, o que levou os organizadores a anunciarem a sua retirada a contragosto: “Estamos desapontados e pedimos desculpas por aqueles que estavam entusiasmados por se envolverem em algo que visa proteger as nossas aves nativas e outras espécies vulneráveis.” A Sociedade para a Prevenção da Crueldade contra os Animais da Nova Zelândia disse-se aliviada, justificando que havia o risco de as crianças não conseguirem distinguir “um gato feral, vadio ou [doméstico] assustado”.
Mas o evento parece ter mesmo ido por diante. Um vídeo filmado por ativistas dos direitos dos animais mostra crianças a segurar em gatos mortos. Essas crianças terão provocado os manifestantes, brandindo os cadáveres e gritando-lhes “Carne, carne”. “Havia três crianças ali com gatinhos bebés nas mãos, com grandes sorrisos no rosto, pensando que tinham muita graça”, acusou Sarah Jackson, da associação Christchurch Animal Save, em declarações ao New Zealand Herald.
Dos cerca de 1 500 participantes na competição, 400 eram crianças. Entre as centenas de animais mortos, encontravam-se 243 gatos ferais, segundo a organização.