Nos anos de 1970, desapareceu o último casal de abutre-preto com ninho em Portugal. Durante quase 40 anos, os únicos que se viam eram indivíduos errantes que atravessavam a fronteira invisível entre Portugal e Espanha, habitualmente na zona do Tejo Internacional. Até que, em 2010, um casal voltou a fixar-se do lado de cá do rio.
Passados apenas 13 anos, as notícias dificilmente poderiam ser mais animadoras. Segundo o projeto LIFE Aegypius Return, há hoje 78 a 81 casais nidificantes desta espécie, a maior ave de rapina da Europa e uma das maiores do mundo, chegando a ultrapassar os três metros de envergadura (apenas o condor-dos-andes é maior, e muito ligeiramente). O ano passado, estavam identificados 40 casais.
Os abutres-pretos estão distribuídos, em Portugal, por quatro colónias: a maior no Parque Natural do Tejo Internacional (44 a 46 casais), Herdade da Contenda, na região de Moura, Mourão e Barrancos (17 ou 18), Serra da Malcata (14) e Parque Natural do Douro Internacional (3 casais).
Apesar da excelente recuperação, a espécie está longe da salvação, mantendo ainda o estatuto de ameaça mais grave, Criticamente em Perigo. O objetivo é melhorar as condições dos habitats para garantir um aumento da taxa de reprodução, uma tarefa difícil, sendo que esta é uma ave que apenas põe um ovo por ano. O êxito reprodutor das colónias nacionais é, aliás, ainda baixo (apenas 50 crias nascidas este ano, tendo morrido 13 a 15), o que pode pôr em causa a continuidade da espécie.
O mais surpreendente é que o abutre-preto tem estado a ganhar espaço em Portugal sem estar implementado um projeto dedicado à ave – o LIFE Aegypius Return só começou agora e o trabalho tem sido dominado pela monitorização, sublinha Milene Matos, coordenadora do projeto. “As ações ainda não se repercutiram nos resultados. Arrancou só há um ano, com um trabalho de preparação e definição de metodologias e o estabelecimento da situação de referência, e já deu para perceber que está melhor do que no ano passado. As ações de conservação no âmbito de outros projetos mostram a importância da monitorização.”
Não é uma tarefa fácil. Descobrir os ninhos e saber quantas crias nascem em cada é um trabalho feito pelos técnicos a uma distância de um a dois quilómetros, para não perturbar os animais, particularmente sensíveis.
Deixar os abutres comerem as carcaças do gado
Milene Matos avisa que ainda é demasiado cedo para se baixar a guarda. “O estatuto continua a ser de Criticamente em Perigo, o mesmo do lince quando este estava à beira da extinção.”
O importante é dar condições de segurança e alimento para que a espécie prospere e o número de casais continue a crescer. No primeiro caso, e dado que o abutre-preto nidifica em árvores, a solução tem de passar por prevenir incêndios. “Vamos gerir mais 800 hectares de habitats e abrir 25 quilómetros de corta-fogos”, explica a coordenadora do LIFE Aegypius Return. “Contamos com a GNR como parceira, para assegurar a vigilância.”
A questão do alimento passa, por seu lado, pelo gado doméstico, que há muitas décadas foi substituindo as espécies selvagens na dieta dos abutres em geral. “Vamos abrir novas áreas de alimentação”, diz a bióloga. “Desde a doença das vacas loucas, foram abolidos os campos de alimentação para aves necrófagas. Sempre que uma vaca ou uma cabra morria, o cadáver tinha de ser recolhido ou enterrado, no caso de locais de acesso difícil. Isto levou a que os abutres deixassem de ter alimento disponível. Vamos voltar a ter estes campos, em áreas nao vedadas, onde os proprietários podem deixar as carcaças, ou onde os gestores de caça possam também depositar as carcaças com segurança. Aumentando o alimento, as aves terão maior capacidade de reprodução.” Nestas áreas, cobertas por médicos veterinários, será feita uma vigilância permanente, com recolha e análise de amostras, para garantir que não há problemas de sanidade.
Disponibilizar aos abutres os cadáveres do gado que morre nos montes é fundamental para o sucesso da espécie. Em Espanha, a implementação destas áreas não vedadas de alimentação para aves necrófagas levou a um aumento exponencial da espécie. Hoje, vivem do lado de lá da fronteira cerca de três mil abutres-pretos – a maior população da Europa.
O Aegypius Return, cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia, é coordenado pela Vulture Conservation Foundation e envolve várias entidades, como a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, a Herdade da Contenda, a SPEA, a LPN, a Associação Transumância e Natureza, a espanhola Fundación Naturaleza y Hombre, a GNR, a Associação Nacional de Proprietários Rurais e a Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.