Nestes tempos de perceções aceleradas e de substituição permanente de emoções – ao correr do feed de publicações constantemente atualizadas numa qualquer rede social –, deixámos de valorizar a importância da memória e, tantas vezes até, daquilo que vivemos. Presos ao algoritmo e à ditadura que nos obriga a estar a par de tudo o que ocorre em todo o lado ao mesmo tempo, esquecemo-nos depressa daquilo que considerámos importante e deixamo-nos arrastar pela corrente das indignações do momento, sem pararmos para pensar ou refletir no que diferencia o importante do supérfluo.
Só isso explica que a catadupa de emoções que vivemos, coletivamente, há cinco anos, no início dos confinamentos durante a pandemia de Covid-19, estejam hoje quase perdidas no fundo da memória. Com os resultados que se veem todos os dias. Ao contrário do que se prometia nesses tempos, a solidariedade voltou a ser engolida pelo primado do individualismo, e os discursos sobre a importância de se terem bons serviços públicos, nomeadamente na Saúde, foram substituídos, mais uma vez, pelo princípio da “eficiência” – fria e desligada da realidade de quem fica perdido nas listas de espera dos hospitais.
No meio disto tudo, o imenso exército dos trabalhadores dos chamados serviços essenciais voltou ao anonimato de sempre – embora todos eles continuem a ser fundamentais para garantir o abastecimento regular de bens alimentares, as ruas limpas e seguras, os transportes públicos, o funcionamento dos serviços de eletricidade, de água e de saneamento básico, o transporte de mercadorias e até o apoio a idosos ou a outros grupos desfavorecidos.
Quando olhamos para estes cinco anos pós-pandemia é fácil perceber como tanta coisa mudou, nalguns casos até de uma forma que, nos primeiros dias de isolamento, repletos de apelos à esperança e de gritos por mais solidariedade, jamais pensaríamos ser possível. Vivemos hoje em sociedades mais crispadas, onde se multiplicam os exemplos de intolerância, crescem os sinais de extremismo e em que são cada vez mais visíveis as fraturas no sentimento de comunidade. Vivemos também num mundo mais volúvel e perigoso, dominado outra vez pela lei do mais forte, em que a democracia está em retrocesso e em que assistimos ao pior ataque, em muitas décadas, à liberdade, ao pensamento crítico e até à ciência.
Cinco anos depois do início da pandemia, percebemos que o otimismo solidário, gerado nos primeiros dias, foi copiosamente derrotado. Mas também sabemos hoje quem ganhou claramente: os gigantes tecnológicos, que passaram a dominar o fluxo de informação e viram as suas fortunas crescer para níveis estratosféricos. E os maiores perdedores foram… os do costume: os trabalhadores dos serviços essenciais, que continuaram anónimos e ignorados, com os baixos salários de sempre e a ausência de reconhecimento social.
Ainda antes de assumir formalmente o cargo de chanceler, Friedrich Merz já começou a mudar a Alemanha e, porventura, a Europa. E, mais importante ainda, tem dado os sinais certos em relação àquilo que é preciso fazer. Mais do que anunciar reformas estruturais para as calendas ou grandes projetos de duvidosa concretização, ele tem sabido reunir as condições que permitam a mudança: acordos políticos com os partidos do centro democrático e com os Verdes, uma postura resoluta e decisiva em relação à necessidade de a Europa se libertar do escudo militar dos EUA e da dependência energética da Rússia e, pelo caminho, reforçar a fé na defesa do sistema democrático através de medidas que possam implicar diretamente com a vida das populações.
A forma como acabou com o “tabu” do travão do défice orçamental – permitindo que o país se endivide para reforçar a sua capacidade militar, mas também para melhorar as suas infraestruturas e continuar a apostar na transição energética – é o exemplo de que a Europa necessita: a criação de consensos alargados entre os partidos democráticos. Ou seja, criar os mecanismos que permitam encontrar uma forma de salvar a casa, quando tudo à volta está a arder. É disso que a Europa precisa neste momento: a união dos democratas contra o fogo do extremismo e do autoritarismo.
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