Há amizades que não acabam. Arrastam-se.
Começam com gargalhadas e telefonemas sem hora, confidências partilhadas e aquela sensação boa de Lar. Mas, com o tempo, algo muda… lentamente.
Já não saímos de coração leve. Já não dizemos tudo. Já não nos sentimos acolhidos.
Muitas vezes, custa mais reconhecer que uma amizade nos magoa do que admitir que um amor já não resulta. Porque com os amigos, temos esta ideia de que é para sempre. Que “quem está desde o início” merece ficar.
Em consultório, ouvimos com frequência histórias de relações que parecem pequenas maratonas emocionais. Onde estar com o outro exige esforço, vigilância e um grau elevado de contenção.
Nem sempre é porque houve uma discussão. É porque, aos poucos, o que devia ser um espaço de conforto tornou-se num lugar de desgaste.
Há sinais que o corpo sente antes da cabeça perceber. Saímos dos encontros mais cansados. Não conseguimos ser genuínos. Medimos palavras. Somos comparados. A piada desvaloriza, o silêncio cobra e o afeto exige.
Há amizades em que só um lado fala, ocupa todo o espaço para competição emocional: quem sofre mais? Quem se supera? Quem tem razão? Aqui já não há tempo para estar. Só para provar.
Outras vezes, o que nos prende é a culpa.
A história partilhada. A frase “esteve lá nos piores momentos”.
Mas o que foi verdade no passado não justifica tudo no presente.
Há ainda algo que raramente verbalizamos: evitamos o contacto porque sabemos, lá no fundo, que a amizade já não se sustenta. Preferimos manter o laço sem ondas, em vez de encarar a possibilidade de magoar ou de admitir que já não nos faz bem. E então calamos. Damos espaço. Retiramo-nos devagarinho, sem avisar, com a esperança de que o tempo resolva o que nos falta coragem para enfrentar.
Do ponto de vista psicológico, estas relações podem ativar mecanismos antigos de insegurança, medo de rejeição e baixa autoestima. Ficamos, muitas vezes, não porque faz sentido, mas porque temos medo de não saber quem somos sem aquele vínculo.
Amizade saudável não exige presença constante. Exige respeito mútuo.
É o lugar onde podemos pousar a alma, sem receio de sermos “demais”. Onde podemos estar em silêncio, sem sermos esquecidos. Onde o cuidado não é cobrança e a ausência não é castigo.
Nem todas as amizades são para sempre. Algumas acompanham-nos apenas até certo ponto. Depois disso, continuar a forçar é como calçar sapatos apertados: aguentamos por um tempo, mas vai doer sempre que caminharmos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.