Ao longo do penoso e atribulado processo de insolvência da Trust in News (TIN), empresa proprietária da VISÃO, que se arrastou desde o final do ano passado até à decisão de liquidação e encerramento, na semana passada, impus-me uma regra sempre que me sentava para escrever esta página: mesmo contrariando alguns impulsos, tentei evitar, neste espaço do diretor, quaisquer comentários ou considerandos sobre o evoluir da situação e as suas implicações para o futuro da revista. E fi-lo por uma razão: queria blindar a imagem da VISÃO e a sua relação construída durante décadas com milhares de leitores, dos problemas que afetavam a TIN e a sua gestão. Os problemas eram nossos e embora afetassem o nosso trabalho e o nosso modo de funcionamento, não precisavam de ser “impingidos” aos leitores nem transformados em assunto principal, ainda para mais no atual estado do mundo, em que não faltam motivos para análise e discussão. Com os leitores, a nossa responsabilidade é a de sempre: entregar-lhes uma revista que eles tenham gosto em ler e, em muitos casos, até em guardar. Uma revista que fortaleça os laços de confiança entre quem a faz e quem a lê.
O que sempre me interessou – a mim e a um grupo coeso e magnífico de jornalistas e outros trabalhadores que têm mantido a revista viva nos últimos meses – foi manter o foco e os esforços na luta mais importante para nós: salvaguardar a VISÃO, o seu jornalismo livre, independente e que queremos que seja, todos os dias, fiel à sua história de rigor, de credibilidade e de qualidade.
A luta tem sido intensa e repleta de obstáculos. Temos salários em atraso. Deixámos de ter um espaço físico para reunirmos a redação. Mas continuamos a resistir e a insistir. Fazemo-lo, encorajados em três suportes essenciais: a resposta entusiástica dos nossos leitores (a VISÃO tem estado, consistentemente, a vender mais exemplares em banca do que no ano passado, contrariando as tendências do resto do mercado); as contas que conhecemos e os estudos que fizemos indicam-nos que a VISÃO não só tem viabilidade económica como pode ser, rapidamente, um negócio sustentável e, porventura, inspirador para muitos outros no atual estado da comunicação social; e, finalmente, a convicção, que nos anima e alimenta, de que, mais do que a proteção dos nossos empregos, temos de lutar pela defesa de um projeto jornalístico já histórico e que consideramos relevante para o País, para a democracia e para a liberdade.
Foi por tudo isto que, na assembleia de credores, um grupo de 15 trabalhadores da VISÃO apresentou e viu aprovada uma proposta que permite que a revista continue a ser publicada, mesmo depois de a TIN ser encerrada – e até que os seus ativos, entre os quais a VISÃO, sejam vendidos.
Além disso, manifestámos também o nosso interesse e a nossa disponibilidade para nós próprios adquirirmos a VISÃO – uma ideia que nasceu e foi desenvolvida ao longo das últimas semanas, e que tem acolhido manifestações de apoio, que muito nos sensibilizam, orgulham e… encorajam ainda mais.
A luta vai continuar a ser intensa e é, como todas, de resultado incerto. Mas era importante que tivesse regras justas. E bom senso por parte dos credores Estado (Segurança Social e Autoridade Tributária), que detêm a maioria da dívida e possuem o poder principal de decisão. A insistência que aqueles dois organismos têm manifestado em apenas permitir a venda em conjunto de todos os títulos da TIN e de fazer depender o início do procedimento de venda de uma avaliação externa, a preços incomportáveis para a falta de liquidez financeira do que resta da empresa, é uma teimosia que pode ter consequências dramáticas e, no fim, agravar ainda mais as perdas dos credores.
Não pedimos favores nem tratamentos de exceção. Apenas desejamos manter o projeto jornalística da VISÃO – da mesma forma que um dos nossos fundadores, José Carlos de Vasconcelos, já manifestou igual intenção em relação ao Jornal de Letras, que dirige há 45 anos. Para isso, é imperioso que a SS e AT permitam propostas de compra para cada título e a agilização de todo o processo, porque já se perdeu tempo demais. O valor de um título jornalístico está intimamente ligado à redação que o produz. E o seu maior valor é a relação de confiança estabelecida entre essa mesma redação e o público leitor. É por isso que, enquanto nos deixarem, vamos continuar a fazer a VISÃO. Com o vosso apoio.