Este Governo é uma tremenda incógnita. Dele já se disse que foi feito em quase total sigilo, em tempo recorde e que é o mais pequeno desde os tempos da Revolução. Também se assinala que tem défice de experiência política e sobredose de académicos sem prática de decisão. Aponta-se o excesso de liberalismo de muitos ministros com pastas chave, o recurso a “estrangeirados” sem conhecimento do país real e uma perigosa rutura geracional, agravada com a ausência de cabelos brancos capazes de colmatar a falta de traquejo da maioria dos ministros. Nota-se a deceção face à ausência de alguns dos chamados “pesos pesados” do firmamento comunicacional e sublinha-se a condição de segunda escolha de alguns dos novos titulares. Esta desconfiança é patenteada pela enorme expectativa gerada em torno dos nomes dos futuros secretários de Estado, como se fosse positiva a nomeação de “ajudantes”, cuja influência política suplante a dos seus superiores hierárquicos. Esperemos bem que isso não aconteça para que não se repita a experiência trágica do primeiro Governo de António Guterres, em que uma das melhores equipas ministeriais de sempre sucumbiu, manietada pelo peso de secretários de Estado impostos pela avidez da máquina partidária.
A maioria dos aspetos assinalados, com conotação negativa, pode reverter-se em argumentos positivos. Nem todos os ministros com experiência política nomeados ao longo destes 37 anos de democracia cumpriram os seus mandatos com nota positiva – longe disso. A inversa também é verdadeira. Quase desconhecidos da opinião pública tiveram prestações surpreendentes. Da mesma forma, não se deve desprezar os académicos, valorizando excessivamente os políticos, pois uns e outros têm de se submeter a um programa cuja execução é da responsabilidade do primeiro-ministro, a quem compete criar mecanismos capazes de promover uma coordenação eficaz da equipa ministerial. Aliás, a constituição de um gabinete com apenas onze ministros, numa altura tão exigente, pressupõe que seja esse o objetivo primordial. A não ser que se tenha privilegiado o populismo…
O liberalismo é um facto. Este é um Governo mais à direita e foi essa a orientação que os portugueses escolheram. Mas é de recordar que qualquer outro Governo teria o essencial do seu programa previamente definido pelo acordo com a troika. O positivo da coisa é que ninguém enganou ninguém, ou seja, ninguém foi eleito com um discurso de esquerda para governar à direita. Quanto aos “estrangeirados”, há dois em pastas cruciais – Economia e Finanças. Têm vivido lá fora, são teóricos, mas com profundo conhecimento da realidade portuguesa. Podem ter a vantagem de ver a floresta e não apenas a árvore e de estar mais distantes dos lobbies. Finalmente, é verdade que este Governo personifica uma rutura geracional. Cavaco fez o mesmo quando chegou a S. Bento, em 1985, e construiu um dos executivos mais bem sucedidos do pós-25 de Abril. Pelo menos, foi isso que os portugueses disseram nas urnas, quando fizeram o PSD subir de 29,8% (outubro de 1985) para 50,2% (julho de 1987).
As baixas expectativas são sempre um bom ponto de partida em qualquer atividade. Assim, é mais fácil surpreender. Mas isso não impede o facto óbvio de este Governo ser uma tremenda incógnita. Para bem do País, esperemos que isso não seja necessariamente mau…