Para Fernando Pimenta, começou a contagem decrescente rumo aos Jogos Olímpicos de 2020, no Japão. Desde março ao serviço do Benfica, o recém-coroado campeão do mundo de canoagem em K1 1000 metros – a prova que esteve na origem de um longo braço de ferro com a federação (ele teimava em disputá-la, a federação preferia tê-lo nas embarcações coletivas de K2 e K4) – inicia, agora, a época em que terá de garantir o apuramento para depois, em Tóquio, atacar a medalha que falhou no Rio de Janeiro, em 2016. No meio de uma bateria de exames médicos, em Lisboa, o canoísta de Ponte de Lima visitou, pela primeira vez, o Museu Cosme Damião, no Estádio da Luz, e foi entre troféus e referências históricas do seu novo clube que conversou com a VISÃO sobre os desafios que se avizinham. O vice-campeão olímpico em 2012, ao lado de Emanuel Silva, chegou equipado a rigor e com as medalhas conquistadas em 2018 dentro de um pequeno saco de papel.
Sabe quantas medalhas tem entre Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo e da Europa?
Não. Ora bem, tenho uma olímpica, cinco em Mundiais…
Na verdade, tem oito em Mundiais e 16 em Europeus. Onde as guarda?
Tenho-as todas em casa. As mais recentes numa travessa e as outras penduradas em quadros.
Numa travessa?! É lá que guarda até a medalha de prata olímpica?
Essa está ao lado da travessa, em cima de uma cómoda.
Tem espaço para outra, a conquistar em agosto de 2020?
Há espaço para muitas mais. Esse é o grande objetivo, mas temos de ter a noção do nível de dificuldade que implica a conquista de uma medalha olímpica. Trabalho muito para isso, mas primeiro é preciso garantir o apuramento no Mundial do próximo ano, na Hungria.
Tem consciência de que é a grande esperança portuguesa para trazer uma medalha dos Jogos Olímpicos de Tóquio?
Se sou a maior esperança ou não, não sei. Acho que existem mais. Todos os atletas que nos habituaram a excelentes resultados são potenciais medalhados. É uma questão de se criarem as condições ideias para, no momento da verdade do ciclo olímpico, eles conseguirem estar ao mais alto nível.
Está a pensar em que nomes?
Não é um lote muito grande. Infelizmente, ainda somos poucos, mas temos a Telma [Monteiro], o Nelson Évora e, agora, o Pedro Pichardo [cubano naturalizado português], um atleta de renome e com enorme potencial para conquistar títulos para Portugal. E há sempre os que, entretanto, podem entrar na luta por títulos mundiais e europeus e que, depois, nos Jogos, chegam lá e se superam.
Embora o futebol seja dominante em Portugal, de quatro em quatro anos o País exige medalhas nos Jogos Olímpicos. É um peso que dispensa nos seus ombros ou consegue abstrair-se dessa pressão que aí vem?
Não é um peso que eu tenha de sentir. Há poucas pessoas que me podem exigir resultados, e essas são as que me apoiam no dia a dia, durante os quatro anos do ciclo olímpico, nos bons momentos e nos menos bons. Nessas pessoas, incluo o meu clube, a Federação [Portuguesa de Canoagem], o Comité Olímpico [de Portugal], a minha família, o meu treinador e os amigos mais próximos. Claro que os portugueses, em geral, exigem isso de mim, o que é legítimo porque estou a representá-los, mas também têm de pensar que os representamos ao longo de toda a nossa vida desportiva e não só nos Jogos Olímpicos. É preciso saber se o atleta se preparou bem ou se teve algum problema, que resultados já obteve… Não podemos reclamar uma medalha olímpica a alguém que nunca foi medalhado num Campeonato da Europa nem num Campeonato do Mundo.
Não é o seu caso.
Sim, mas todos os atletas chegam lá em boa forma e, muitas vezes, tudo é uma questão de ter passado melhor a noite, de não aparecer qualquer fator externo como o que me prejudicou em 2016 [Fernando Pimenta e outros finalistas queixaram-se da presença de folhas na água que travaram o deslizamento das embarcações]. Como se diz na gíria, é preciso ter os astros todos alinhados.
Quando o abordam na rua, pedem–lhe uma medalha em Tóquio?
[Risos.] É verdade. Hoje, as pessoas já me reconhecem mais facilmente na rua e dizem-me sempre: “Agora é a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos.” Ninguém a quer mais do que nós, eu e quem trabalha comigo, mas é preciso chegar àquele momento em boa forma para entrar na luta.
A experiência do quinto lugar alcançado nos Jogos do Rio, embora fosse uma deceção assumida, poderá constituir uma mais-valia em Tóquio, do ponto de vista psicológico?
Pelos piores motivos. Nunca me vou esquecer do que aconteceu no Rio, mas, por outro lado, isso foi bastante importante porque me permitiu crescer enquanto atleta e ganhar outra força psicológica, que se calhar até me faltava, apesar de ter chegado bem preparado, quer física quer psicologicamente.
Quando entrou em choque com a federação, por só o selecionarem para as provas coletivas, levando-o até a falhar o Mundial de 2013, já crescia em si a convicção de que é possível a medalha olímpica a solo, na prova-rainha da canoagem, o K1 1000 metros?
Isso passa sempre pela cabeça de um atleta que quer chegar ao topo. Bastava a oportunidade para mostrar o meu valor. Quando tive o problema com a federação, nunca abri mão de integrar uma tripulação [K2 ou K4], e penso que tinha todo o direito, sendo o melhor atleta a nível individual, a competir também individualmente. Treinadores e colegas de outras seleções diziam-me que seria uma boa aposta. Logo a seguir a essa pequena confusão, passei a competir em K1 e em K4, e consegui um quinto e um sexto lugar nos Jogos Olímpicos.
Nos dias de maior impasse e desespero, pensou em desistir da canoagem?
Pensei em desistir, sim. Quando abdicamos de tanta coisa para conquistar o nosso lugar na Seleção Nacional e depois vemos que nos hipotecam essa possibilidade… Senti-me muito mal e andei em baixo durante bastante tempo, mas nunca baixei os braços nem deixei de me treinar.
Qual é a rotina na fase mais intensa da preparação?
Temos alturas em que fazemos três ou quatro treinos por dia, mas há sempre que ajustar o volume e a intensidade. Por exemplo, um dia pode incluir treino de rio, descanso e corrida, de manhã, e, depois, ginásio e bicicleta à tarde.
Michael Phelps dizia que comia três sanduíches de ovo ao pequeno-almoço, entre outras coisas. Nos dias de maior carga física, como é o seu pequeno-almoço?
Sou apoiado por uma marca de suplementos nutritivos e tenho um bom leque de batidos à escolha. Um deles é de aveia, que eu já consumia e tem alguma proteína e sabor, para não estar a comer nada sem gosto.
Então não precisa de enfardar, como o Phelps.
É tudo bastante doseado, ao nível das calorias, dos hidratos de carbono, da proteína, de acordo com o tipo de treino que vou fazer e com o meu peso. As quantidades são definidas quase dia a dia, para todas as refeições, e conto com o apoio do meu médico.
O Fernando não é guloso?
Sou, sim. Em algumas fases da época, mesmo que o peso esteja controlado, tenho de evitar os doces. E à medida que a competição se aproxima vou diminuindo o volume e tenho de ser mais rigoroso. Não é que ganhe demasiado peso nas férias, mas já cheguei a perder quase seis quilos numa época.
Por onde anda mais agora?
Praticamente já não paro em casa, em Ponte de Lima. Por norma, ando por Montemor-o-Velho e na barragem da Aguieira. Também vamos, algumas vezes, a Sevilha e ultimamente temos feito alguns estágios em altitude no México. É assim, para me adaptar a diferentes condições.
Que atleta tem como exemplo?
Olho para todos os que estão num processo de trabalho e de sacrifício, como eu, ao ponto de deixarmos a família em segundo plano para atingirmos os objetivos. Apesar de estar num desporto coletivo, nomeio em primeiro o Cristiano Ronaldo, uma das maiores referências que podemos ter por querer sempre mais e melhor, mesmo depois de tudo o que já ganhou. Pela sua personalidade e resultados, destaco também o Bolt e a seguir o Phelps, um monstro. São três embaixadores do desporto.
Frequentou dois cursos universitários, mas não os conseguiu conciliar com a alta competição. O futuro pós-canoagem deixa-o apreensivo?
De momento estou concentrado na minha carreira de atleta. Também penso nesse futuro, mas não estou apreensivo. Ainda há pouco tempo falei com um ex-jogador de futebol que já terminou o curso de Educação Física e que me disse para ir com calma, que chegará o momento de voltar a estudar.
A chegada ao Benfica dá-lhe maior estabilidade?
As condições são outras, mas a responsabilidade também. É provavelmente a maior potência do desporto nacional, como se pode ver por este museu. Sempre fui benfiquista, mas julgo que qualquer atleta teria um enorme orgulho em representar este clube.
Nelson Évora, Vanessa Fernandes e Telma Monteiro conquistaram medalhas olímpicas enquanto atletas do Benfica. Sente a mesma expectativa em relação a si?
O Benfica acredita no meu trabalho e está a meu lado, com vista à obtenção de excelentes resultados que passam pela conquista de uma medalha nos Jogos Olímpicos.
Terá 30 anos em Tóquio. Ainda haverá uma nova oportunidade para atingir o pódio, na edição de 2024, em Paris?
Eu e o meu treinador estamos a apontar para fazermos mais este e outro ciclo olímpico, mas acho que ainda é possível fazer um terceiro, em 2028. Um dos atletas húngaros que nos venceram em Londres, no K2 1000 metros, tinha 37 anos.
Desde que representa o Benfica, passou a dar mais autógrafos?
Sem dúvida. Basta estarmos ligados a um clube grande para termos outra notoriedade. Até junto das pessoas que não são do Benfica, passamos a ter outra visibilidade.
Sendo um homem do Norte, não sentiu reações adversas da parte dos adeptos do FC Porto?
Muito esporádicas; há sempre alguém mais inflamado. A maior parte das pessoas diz-me que eu fiz muito bem em ter ido para o Benfica, porque assim tenho outras condições.
A rivalidade clubística passou dos limites no futebol?
O futebol começa a ser mais um negócio, e isso, infelizmente, tem consequências. Mas, por muita rivalidade que exista, as pessoas devem sentar-se e dizer basta. Nas outras modalidades, clubes e seleções à parte, continuamos amigos. Na canoagem, faço estágios com atletas de outras equipas. Em 2015, fiquei no quarto de um dos meus principais rivais nos Jogos Olímpicos. Os adeptos também devem saber até onde podem ir. O melhor é acalmar, respirar fundo e esfriar a cabeça.
O João Ribeiro, seu companheiro no Benfica, apelidou-o de “Ronaldo e Messi” da canoagem, por não o deixar ganhar nada. É mais trabalho e ânsia de ganhar, como Ronaldo, ou arte e talento, como Messi?
O talento trabalha-se. Prefiro acreditar, andar de objetivo em objetivo e de nunca deitar a toalha ao chão. A um atleta de alta competição, não bastam dois ou três pontos fortes.
Qual é o seu ponto fraco?
Sou guloso [risos]. Na verdade, não tenho um ponto fraco, se calhar tenho algum menos bom, mas agora não estou a ver nenhum. A não ser esse que, por vezes, me dificulta atingir o peso desejável.