Os gestores dos fundos de investimento de alto risco costumam ser retratados como tubarões que atacam e despedaçam as suas vítimas sem hesitações. Não é por acaso. Na sombra, fazem negócios de milhões sem que ninguém lhes conheça um pensamento, uma ideia, uma opinião para lá daquilo que os faz correr – o lucro fácil. John Grayken, fundador do Lone Star Funds, selecionado pelo Banco de Portugal para a compra do Novo Banco, é um desses tubarões que praticamente ninguém conhece… e que alguns teriam desejado nunca conhecer.
Quem é o homem que quer comprar, com desconto, um dos maiores bancos portugueses e que contribuiu para unir, na defesa da manutenção do Novo Banco na esfera pública, figuras tão díspares como Francisco Louçã, Carlos César, Manuela Ferreira Leite ou José Maria Ricciardi?
A história de John Grayken, 60 anos, é, como tantas outras, uma história de sucesso mas também de ambição desmedida e de ganância. Desde sempre ligado à banca de investimento, é o único acionista do Lone Star, um fundo que aposta em negócios de alto risco e que consegue registar rentabilidades médias anuais de 20 por cento. O Lone Star destaca-se igualmente por não apresentar um único ano no vermelho. As suas aplicações – essencialmente em imobiliário mas também em créditos incobráveis dos bancos em dificuldades – revelam-se sempre bons negócios mesmo em alturas de crise.
Que fundos são estes?
Fundado em 1995, o Lone Star tem um capital agregado de cerca de 66 mil milhões de euros. “À escala americana, não é muito”, comenta Francisco Louçã, caracterizando-o como “especulador” de “média dimensão”.
Para o economista e antigo dirigente do Bloco de Esquerda, que enviou uma carta ao Governo a defender a manutenção do Novo Banco na esfera do Estado, o objetivo não podia ser mais claro: “O que eles fazem é comprar dívida ou empresas em dificuldade, tentam organizá-las para depois as venderem em pouco tempo, com o máximo de lucro. Pode ser uma venda na totalidade ou aos bocados. Seja como for, estamos no domínio da pura especulação”, continua, reforçando que a “função bancária precisa de tempo, tem relações longas (por exemplo, com créditos à habitação a 40 anos), não é um setor que se rentabilize em dois anos”.
Uma rapidez a fazer dinheiro que se viu no negócio dos centros comerciais Dolce Vita. Foi assim que o Lone Star entrou em Portugal, em 2015, comprando quatro centros comerciais Dolce Vita que pertenciam à imobiliária espanhola Chamartín. Ainda no mesmo ano, vendeu três deles ao Deutsche Bank. Por cá, o Lone Star é ainda proprietário do empreendimento Vilamoura, que comprou por cerca de 200 milhões de euros.
O mesmo fundo propõe-se agora comprar o Novo Banco por 750 milhões de euros, injetando outro tanto para reforçar os seus rácios financeiros. Ao Estado português exige uma garantia de até 2 500 milhões de euros, para cobrir uma eventual desvalorização dos ativos do banco. O Lone Star já fez outras incursões na banca – nomeadamente adquirindo a preço de saldo dois pequenos bancos alemães resgatados pelo Governo de Berlim em 2008, um dos quais conserva até hoje –, mas a sua principal vocação é o investimento imobiliário de cariz comercial.
Excentricidades à americana
Intrigada com a entrada direta de John Grayken para a 184º posição da lista dos mais ricos do mundo em 2016, com uma fortuna avaliada em 5,9 mil milhões de euros, a Forbes traçou-lhe o perfil e chamou-lhe “O banqueiro milionário na sombra”. O retrato não é simpático e é repudiado por Grayken, que sempre se mostrou avesso a entrevistas.
Segundo a Forbes, John Patrick Grayken nasceu em junho de 1956, cresceu em Cohasset, Massachusetts, numa terra de 7 500 habitantes, situada nos subúrbios de Boston. É lá que Grayken mantém uma ilha privada, enquadrada por um cenário natural escolhido para a rodagem do filme As Bruxas de Eastwick (1987). Licenciou-se em Economia, na Universidade da Pensilvânia, onde jogou como defesa na equipa de hóquei, e tirou um MBA em Harvard, em 1982.
Grayken aprendeu a “nadar com os tubarões” durante uma passagem pelo banco de investimento Morgan Stanley, juntando-se depois à equipa do milionário Robert Bass, um tradicional homem de negócios do Texas com aplicações em petróleo, na indústria aeroespacial e no imobiliário.
O gestor soube aproveitar como poucos a crise dos savings & loan, as antigas caixas de crédito americanas que no início dos anos 90 colapsaram como um castelo de cartas. À frente da Brazos Partners, pagou uma pechincha pelos ativos problemáticos que sobraram dessas reestruturações e revendeu-os, a muito bom preço. Uns milhões depois, fundou o Lone Star Funds, em Dallas, com 380 milhões de euros de investimento inicial, adotando como símbolo a estrela solitária de cinco pontas da bandeira estadual do Texas. Começou por investir em non performing loans, vulgo créditos de cobrança difícil, mas rapidamente alargou a bitola para outras áreas, como o imobiliário.
Entre 1998 e 2004, o Lone Star fez investimentos no Japão, Coreia do Sul, Indonésia e Taiwan, aproveitando os despojos da crise financeira asiática. Em 2005, voltou-se para a Europa e, depois da crise financeira, comprou ativos de bancos que colapsaram – do belga Fortis e dos alemães AHBR e IKB.
O ciclo de negócio deste tipo de fundos, conhecidos como fundos abutres, é, por norma, curto. Compram barato, reestruturam, despedem pessoas e, passados três anos, em média, vendem. A Forbes escreve que, de acordo com a cartilha de Grayken, “comprar e manter à [Warren] Buffett é para otários”. Mas o Lone Star contrapõe com a sua atividade na Alemanha, onde ainda é dono de um dos bancos adquiridos há oito anos.
De negócio em negócio, John Grayken tornou-se o segundo dono de fundos de investimento mais rico do mundo, atrás de Stephen Schwarzman, do Blackstone, mas não podia ser mais diferente. Ao contrário do seu “rival”, não se preocupa com a imagem nem é um filantropo. Não haverá bibliotecas, escolas ou hospitais com o seu nome, garante a Forbes. Grayken é tudo menos patriota: para evitar pagar tantos impostos nos EUA, renunciou à nacionalidade americana e naturalizou-se irlandês.
Casado, em segundas núpcias, com uma britânica, Grayken comprou em 2015, no bairro londrino de Chelsea, uma mansão de 9 quartos, equipada com piscina, cinema, elevador panorâmico e um jardim de água japonês, por cerca de 66 milhões de euros. O imóvel está registado num offshore nas Bermudas, assim como a ilha privada na sua terra natal. Discreto, Grayken não evitou ser notícia quando adquiriu Pyrford Court, uma mansão de estilo eduardiano no Surrey, Sudeste de Inglaterra, construída em 1910 pela família Guinness (das cervejas com o mesmo nome). A casa de campo, com 15 quartos, serviu de cenário em 1976 para a rodagem do clássico filme de terror The Omen (O Presságio). Esteve à venda por 25 milhões de euros.
Protestos globais
Desde 1995 que o Lone Star investe o dinheiro dos “clientes” que nele confiam, assim como nas suas altas rentabilidades. Entre eles, estão os insuspeitos fundos de pensões dos trabalhadores e reformados de Rhode Island e do Oregon, dos bombeiros e polícias de Dallas, dos professores de Nova Iorque. Mas, apesar da confiança mostrada por estes investidores, o Lone Star é conhecido por ser um fundo de natureza especulativa.
Por causa da sua atuação, enfrentou protestos, em Nova Iorque, Berlim e Seul, de centenas de proprietários despejados que não puderam pagar os seus empréstimos. Quando adquiriu direitos sobre 10 edifícios de apartamentos no bairro de Washington Heights, no extremo norte de Manhattan, os habitantes, na sua maioria imigrantes de Porto Rico e da República Dominicana, penduraram lençóis à janela onde escreveram: “Especuladores, cuidado!” Em Tóquio, chamaram a Grayken “falcão careca”, e na Alemanha apelidaram-no de “carrasco do Texas”, depois de ter ordenado uma série de despejos. E, na Coreia do Sul, um gestor do Lone Star foi condenado a três anos de prisão por suspeita de manipulação das cotações bolsistas de um banco adquirido pelo fundo.
No ano passado, o procurador do Estado de Nova Iorque, Eric Schneiderman, abriu uma investigação à gestão dos créditos hipotecários, motivado pelos protestos dos proprietários despejados. Em editorial, The New York Times acusou o Lone Star de forçar os despejos “com o objetivo de revender as casas para fazer dinheiro”.
São estas as duas palavras mágicas – “fazer dinheiro” – que resumem a vida dos fundos de investimento. Fica a pergunta, cuja resposta já estará certamente na cabeça de Grayken: como fazer dinheiro com o Novo Banco?
(Artigo publicado na VISÃO 1245, de 12 de janeiro)