Ao longo de quase 20 anos de serviço nas Relações Públicas de Alvalade, Maurício do Vale trabalhou para sete presidentes do Sporting, surgindo com frequência como porta-voz institucional do clube. Ainda fez a apresentação na cerimónia da tomada de posse de Bruno de Carvalho para o seu primeiro mandato à frente do Sporting, em março de 2013, mas no mês seguinte foi chamado ao gabinete presidencial. O então recém-eleito presidente dos leões informou-o de que não contava com ele na nova estrutura de Alvalade.
Pouco depois, começou um conflito judicial, em que Maurício do Vale alegava despedimento ilícito, e a direção de Bruno de Carvalho o contrário. Mas o clube perdeu na 1.ª instância e, a seguir, na Relação de Lisboa. Em junho último, o presidente do Sporting ordenou que o clube procurasse reverter as duas decisões judiciais anteriores com um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). E, num acórdão recente, de 40 páginas, os juízes-conselheiros Ferreira Pinto (relator), Chambel Mourisco e Pinto Hespanhol deram razão a Maurício do Vale. Em resumo, os magistrados do STJ confirmam as decisões da 1.ª instância e da Relação de Lisboa. Ou seja, concluem que a “relação vigente” entre Maurício do Vale e o Sporting, “de 23 de agosto de 1993 a 23 de maio de 2013, configurou um verdadeiro e único contrato individual de trabalho”.
Com o caso agora transitado em julgado, ao cabo de quatro anos de processos em tribunal, o Sporting tem de pagar a Maurício do Vale uma indemnização superior a 300 mil euros, entre remunerações em dívida e respetivos juros. Mas qual é o fio da história? Em 2013, na altura da negociação da rescisão do Sporting com Maurício do Vale, o clube avançou, para quase 20 anos de serviço, com uma irreversível oferta de cinco salários. Também conhecido como comentador taurino, Maurício do Vale processou então o Sporting por despedimento ilícito.
Nos três tribunais onde perdeu a causa, o clube contra-alegou sempre que, desde abril de 2006, o seu “ex-funcionário” passou a “prestador de serviços”. E assim aconteceu, de facto, na presidência de Filipe Soares Franco, com a invocação das dificuldades financeiras que o clube atravessava. Maurício do Vale teve de criar uma sociedade unipessoal para o efeito, por forma a emitir faturas e recibos. Mas nunca se conformou com a situação, dita “provisória”, solicitando perante as várias direções do Sporting o seu regresso ao quadro do clube, como lhe havia sido prometido. Em vão.
O clube de Alvalade argumentou que o contrato de trabalho de Maurício do Vale “cessou por mútuo acordo em 30/4/2006”, pelo que o ex-funcionário “age em abuso de direito” ao “formular as pretensões” que reivindica, dando por prescritos os “créditos laborais” e como inexistentes os danos morais invocados.
As contra-alegações do Sporting nunca tiveram acolhimento perante os juízes dos três tribunais (1.ª instância, Relação de Lisboa e STJ), os quais, em resumo, elencaram o seguinte conjunto de factos: Maurício do Vale exerceu as funções de diretor de Relações Públicas do clube, dirigindo nesse departamento outros trabalhadores; reportava a sua atividade à direção do Sporting, incluindo o presidente; tinha um gabinete de trabalho em Alvalade; beneficiava de um seguro de saúde pago pelo clube; possuía documentos de representação com o seu nome e cargo, emitidos pelo Sporting; e auferia uma remuneração fixa mensal. Os magistrados concluíram, assim, ser clara a “subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho”.
À VISÃO, Maurício do Vale diz experimentar agora uma “sensação agridoce”. Fez-se “justiça”, mas, após tantos anos de trabalho no seu clube de sempre, “custou-me muito e foi com imensa tristeza que tive de recorrer aos tribunais”.