Eis o programa da viagem que vos propomos: percorrer o Alentejo e visitar alguns restaurantes representativos da gastronomia regional com os seus produtos, os seus cheiros e os seus sabores. Mas nem só a cozinha nos atrai. O viajante encontrará também no seu percurso o cante alentejano e outros motivos de interesse que reforçarão os desejos de conhecer melhor e de voltar sempre ao Alentejo. Evitámos os grandes centros, como Évora, lugar de culto da gastronomia, é certo, mas já bem conhecido e regularmente visitado.
Indo pelo litoral, impõe-se uma paragem no restaurante Arte&Sal, em São Torpes. Está assente no areal com um letreiro sugestivo que acrescenta ao nome a sua vocação: “Casa de peixe”. Uma oportunidade para saborear robalo do mar, sargo, salmonete, garoupa e outros peixes da costa muito frescos e bem grelhados, ou a açorda de ovas e de camarão e o esparguete com mariscos. Sines tem praias admiráveis, umas com grandes areais, outras pequenas, enquadradas por rochedos, como as de Porto Covo, que importa visitar. Também há muito para admirar em terra, como o Badoca Safari Park, no caminho para Santiago do Cacém. Prosseguindo, no rumo ao sul, vamos dar à Tasca do Celso, em Vila Nova de Milfontes. Está numa casa branca com barra azul, cozinha regional, culinária sólida e carta extensa. Excelentes amêijoas à Bulhão Pato, lulinhas fritas, espargos com ovos e pica-pau de porco preto, nas entradas; e açorda de gambas, cherne com massinha ou grelhado (divinal, a cabeça), cataplana de peixe, bife “à la Planch” e naco de vitela grelhado, nos pratos principais. Doçaria tradicional. Boa garrafeira. É obrigatório um passeio a pé pelo centro histórico para ver o Forte de São Clemente, ex-líbris da vila (só por fora, dado ser propriedade privada), e a Igreja de Nossa Senhora da Graça, entre outros monumentos, tal como visitar as praias, como a das Furnas, que tem um miradouro fabuloso, o cabo Sardão, que está num dos mais belos trechos da costa portuguesa, a albufeira de Santa Clara e aldeias típicas vizinhas.
Atravessamos o Baixo Alentejo para ir dar ao restaurante Molhó Bico, em Serpa. Respira-se Alentejo: fachada branca, arcos e abóbadas, quadros de artistas plásticos locais, talhas de barro, artesanato regional. Saboreiam-se iguarias regionais, como queijo de Serpa, paio alentejano, torresmos do rissol, espargos com ovos e fígado de porco de coentrada, nas entradas; migas com carne de porco preto frita, açordas de bacalhau e de pescada, caldo de cação, ensopado de borrego, cozido de grão e caça, nos pratos principais. Doçaria conventual e tradicional. Vinhos do Alentejo.
Em redor, outros lugares inspiradores, como as duas rouparias (queijarias) do centro da cidade, onde também se pode visitar oficinas de artesãos, vê-los trabalhar e comprar as suas obras; as várias adegas de Pias; o Museu do Relógio; e o quadro natural único do Pulo do Lobo, no Guadiana. Novo percurso, agora em sentido ascendente, para a adega-restaurante País das Uvas, em Vila de Frades. A sala principal é muito pitoresca com enorme pé-direito e sete grandes talhas de barro, nas quais ainda se faz vinho. Cozinha alentejana com ementa diversificada: nas entradas, enchidos da terra, torresmos de rissol e silarcas com ovos; nos pratos principais, cozido de grão, que é o ex-líbris, feijão com cardos, migas de espargos com carne de alguidar e açordas de tomate e de perdiz. Boa doçaria tradicional. Só vinhos da Vidigueira.
O cante alentejano solta-se, por vezes, nas vozes de clientes locais ou de grupos, como os de Vila de Frades e os da Vidigueira. Outra tradição rural e antiga é o vinho de talha, cuja história tem especial relevância na Vidigueira, podendo ser conhecida numa visita às ruínas romanas de São Cucufate, seguida de outra à Adega Tradicional de Talhas da Herdade do Rocim, promovidas por esta empresa, sob marcação prévia.
Touro bravo e porco preto
Seguimos por terras do Alentejo central em demanda da Adega Velha, em Mourão. À nossa espera, sobre a mesa da sala com grandes talhas de barro ou de outra repleta de telefonias antigas, pão alentejano e azeitonas bem temperadas, a que se podem juntar queijos, paio de porco preto e outros petiscos, antes dos pratos de sustância, que rescendem: sopa de cação, sopa da panela, cozido de grão, ensopado de borrego, lebre guisada, perdiz estufada e muito mais. Boa doçaria conventual. Vinho branco da Vidigueira e tinto de produção própria. Antes ou depois da refeição, faz bem subir ao castelo, contemplar a vila medieval e visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias. Também há que programar visitas a dois museus singulares, o da Aldeia da Luz, onde se interpretam as alterações decorrentes da construção da barragem do Alqueva; e o da Adega Cooperativa da Granja, que preserva as memórias da produção do vinho e do azeite.
O passo seguinte leva-nos à Gadanha Mercearia, em Estremoz. É restaurante, esplanada, bar de tapas, garrafeira e mercearia. A cozinha inspira-se no receituário e é fiel aos produtos e sabores locais. Há iguarias que os clientes não dispensam, como os cogumelos com enchidos e os croquetes de borrego, nas entradas; o mil-folhas de bacalhau com presunto, já emblemático, as bochechas de porco preto com esmagada de batata e as presas de porco preto com migas de espargos, nos pratos principais. Sobremesas aliciantes, como o mil-folhas de chocolate.
A norte do Alentejo, em Portalegre, o Solar do Forcado está instalado numa casa centenária que foi estalagem, talho, mercearia e taberna, antes de se tornar um restaurante de referência, no princípio do milénio. Para entrada, cabeça de xara, cacholeira cozida, toucinho frito e outros petiscos locais. Nos pratos principais, reinam as carnes: espetada de touro bravo, cozido de grão com rabo de touro, rins e cachaço de porco preto, bochechas de novilho bravo e lacão assados no forno. Boa doçaria regional. Vinhos de Portalegre. Um passeio pela cidade inclui necessariamente visitas à Casa-Museu de José Régio, aos museus da Tapeçaria e Municipal, à Sé e ao Mosteiro de São Bernardo. Indispensável, ainda, programar uma ida à serra de São Mamede para desfrutar a paisagem e os trilhos pedestres.
Esta viagem termina em beleza no Páteo Real, em Alter do Chão, junto da igreja matriz e perto do castelo. Cozinha regional simples e saborosa. Nas entradas, há bons petiscos locais: morcela de Alter, painho de porco, torresmos e queijos; o mesmo acontece nos pratos principais: borrego de pasto de Alter do Chão com arroz amarelo (arroz de açafrão), que é o prato mais emblemático, sopa de cação, sarapatel de borrego, migas alentejanas com bochechas ou entrecosto frito e migas de espargos com carnes grelhadas de porco do montado. Seria imperdoável ir a Alter e não visitar o castelo, do século XIV; a Villa Romana da Casa de Medusa e a necrópole, na Estação Arqueológica de Alter do Chão; o Núcleo Museológico da Casa do Álamo, que conta a história de uma típica casa agrícola alentejana; e a pitoresca aldeia de Alter Pedroso, de onde se avista grande parte do território do Alto Alentejo.
Guia de viagem
DORMIR
Hotel José Régio, Portalegre
Trata-se de um quatro estrelas com 35 quartos. A cafetaria é um dos ex-líbris e está aberta ao público. Lg. António José Lourinho, 1, Portalegre > T. 245 009 190 > a partir de €55
Os 5 sentidos, Mourão
Esta casa, com quatro quartos e duas casas de banho, acomoda até oito pessoas, e está disponível no Airbnb. Tem uma pequena piscina no terraço. R. de Sta. Margarida, Mourão > €140/noite
Páteo dos Solares Charm Hotel & Restaurant, Estremoz
É um hotel-boutique e fica no centro da cidade, encostado à muralha. Dispõe de 41 quartos, alguns têm lareira e vista para a serra de Ossa. R. Brito Capelo, Estremoz > T. 268 338 400/96 131 3476 > a partir de €72
Casa da Palmeira, Serpa
É um solar com 300 metros quadrados, quatro quartos, cinco salas e terraço panorâmico. A ocupação máxima é de nove pessoas. R. dos Canos, 107, Serpa > T. 96 344 3681 > €120/noite
COMER
Arte&Sal, S. Torpes
Praia de Morgavel, S. Torpes > T. 269 869 125 > qui-ter 12h30–14h30, 19h30-22h (de novembro a abril, só abre quinta, sexta, sábado e domingo ao almoço > €20 (preço médio)
Tasca do Celso, Vila Nova de Milfontes
R. dos Aviadores, 32, Vila Nova de Milfontes > T. 283 996 753/96 817 5726 > ter- dom 12h30-15h30, 19h30-23h > €25 (preço médio)
Molhó Bico, Serpa
R. Quente, 1, Serpa > T. 284 549 264 > qui-ter 12h-16h, 19h-22h30 > €15 (preço médio)
País das Uvas, Vila de Frades
R. General Humberto Delgado, 19, Vila de Frades > T. 284 441 023/96 879 3121 > qui-ter 12h-15h, 19h30-23h > €12,50 (preço médio)
Adega Velha, Mourão
R. Dr. Joaquim Vasconcelos Gusmão, 13, Mourão > T. 266 586 443 > ter-sáb 12h30-15h, 19h30- -21h, dom 12h30-15h > €15 (preço médio)
Gadanha Mercearia, Estremoz
Lg. Dragões de Olivença, 84-A, Estremoz > T. 268 333 262/96 992 9540 e 96 517 1521 > ter-dom 12h30-15h, 19h30- -22h30 > €30 (preço médio)
Solar do Forcado, Portalegre
R. Cândido Reis, 14, Portalegre > T. 245 330 866/93 812 7033 > seg-sex 12h-15h, 19h-22h, sáb 12h-15h > €20 (preço médio)
Páteo Real, Alter do Chão
Av. Dr. João Pestana, 37, Alter do Chão > T. 245 612 301/96 802 4537 > qua-seg 12h-15h, 19h-22h > €15 (preço médio)
VER
Badoca Safari Park, Santiago do Cacém
Neste parque temático, fazem-se safaris, veem-se aves de rapina e visita-se a ilha dos primatas. Herdade da Badoca, Vila Nova de Sto. André, Santiago do Cacém > T. 269 708 850 > seg-dom 10h-17h > €17,90, €15,90 (4-10 anos)
Museu do Relógio, Serpa
O museu possui um espólio com mais de 2300 peças expostas em dez salas, uma oficina de restauro e uma biblioteca com mais de 600 livros da especialidade. Convento do Mosteirinho (junto à Praça da República), Serpa > T. 284 543 194 > ter-sex 14h-17h30, sáb-dom 10h-12h30, 14h-17h30
Ruínas Romanas de São Cucufate, Vidigueira
Vidigueira > ter 14h-17h, qua-dom 10h-13h, 14h-17h30
Museu da Luz, Mourão
Inaugurado em 2003, o museu dá a conhecer, através de vários suportes, vídeo, fotografia, objetos e documentos, as mudanças ocorridas na região. O edifício possui uma janela através da qual é possível ver a localização da antiga aldeia da Luz.
Lg. da Igreja de Nossa Senhora da Luz, Luz, Mourão > T. 266 569 257 > ter-dom 9h30-13h, 14h30-17h30 > €2
SUGESTÃO DE LEITURA
Alfredo Saramago é sempre um bom companheiro, com O Livro-Guia do Alentejo ou Doçaria Conventual do Alentejo. Mas outra sobremesa sugere-se aqui: Contos Carnívoros (Ahab, 240 págs., €18,95), de Bernard Quiriny, juntam 14 relatos fantásticos. Começam à mesa de um restaurante, e servem convivas como uma mulher-laranja que se deixa beber pelos amantes… S.S.C.