“Fazemos expurgo”. Será difícil passar frente ao armazém que leva a letra E na Avenida Infante D. Henrique sem pensar em doutrinas perniciosas, daquelas que a igreja gostava de limpar. Quando se entra, ouve-se falar em câmaras de gás e é o arrepio. Mas Telmo Dias Pereira não deixa ninguém ficar mal-disposto por muito tempo. “Daqui não há hipótese de o bicho escapar, só se for de máscara!”, não resiste, piscando um olho azul.
O bicho é a broca da madeira, o caruncho, a traça dos livros, o besouro do arroz e mais uns feiosos. Nada resiste ao fim de 96 horas em contacto com “o produto”; a garantia vale 15 anos e nunca chegaram reclamações a esta empresa.
Além das câmaras, onde móveis, objetos de madeira e livros esperam a vez de serem expurgados de quase todos os males, há quase 40 anos que aqui se vende vime da Madeira. Móveis e cestos de vime enchem parte do armazém e acabam por também ser comprados pelos clientes que só iam encomendar ao sr. Telmo a morte do caruncho.
O homem é um caçador, e isso são outros quinhentos, mas para o visitante sobra que atende num escritório carregado de animais embalsamados. Águias, corvos, peneireiros, gatos-ginetes e saca-rabos passaram pelo expurgo há 20 anos e nunca mais voltaram a casa. Nem sequer a cabeça de javali que já entrou numa novela.
Contra a broca e o caruncho
Crónica Por Lisboa