Mal passo pela pista de aterragem desenhada junto à receção do Tryp Aeroporto Lisboa, perco-me a ver as horas a que os aviões levantam voo. E depois, quando entro no restaurante Colinas de Lisboa, espanto-me com a sala completamente cheia. Sim, nessa altura, há apenas uns dias, ainda comungava do preconceito generalizado de que a comida de hotel é sensaborona e não merece que nela se gaste várias dezenas de euros por pessoa.
Passado o espanto inicial, fico a saber que aqueles 120 lugares são diariamente ocupados pelos trabalhadores das empresas da vizinhaça e por quem que está ali em formação, atraídos pelo bem servido buffet a 14,90 euros. Só que à noite a sala nunca atinge a meia ocupação e isso só se consegue à custa dos hóspedes, revela Paulo Sassetti, o diretor do hotel que foi recentemente distinguido com o prémio de melhor Tryp do mundo (há cerca de 90). Não é de admirar – a zona não puxa clientela à noite. A comida sim, posso assegurar.
A organização da Pineapple Week avisa que esta semana não foi pensada para que se possa comer nos 26 restaurantes aderentes (nesta primeira edição apenas na Grande Lisboa) a um preço mais barato do que os pedidos à carta. Mas a verdade é que os 25 euros do menu que estou prestes a provar ficam bastante aquém do valor da soma de pratos idênticos que constam da lista do dia a dia.
É uma boa altura para deixar os considerandos de lado, porque o chefe Paulo Anastácio acaba de chegar com uma truta fumada “minut”, servida com legumes em pickles com tomilho e molho de ananás (neste restaurante, optaram por levar o nome da semana mesmo a sério, aviso já). Enquanto o chefe não explica como se encantou com uma truta – peixe que olhava de lado – na Bolívia e, como este prato é a memória de uma refeição espetacular, tento descobrir que legumes estão em cima do prato que imita uma ardósia. Há uns fáceis: cenoura, rabanetes, milho, batata roxa, beterraba. Escaparam-me a batata doce e a tradicional – acabei a passá-las pelo molho de abacaxi (há de ser ananás dos Açores, garante o chefe). A truta foi fumada ao momento na cozinha, claro está, depois de um tratamento com sal grosso, e chega à mesa com uma textura perfeita. Crava-se o garfo e o resto é com o palato.
As bochechas de porco preto grelhadas com salada de “pico de galo” de ananás e pesto de coentros estão bem distribuídas num prato branco ovalado, que faz lembrar o desenho naïf de um olho. Surpreendo-me, ao ponto de me sentir feliz, por virem acompanhadas de três triângulos de milho frito (tantos quanto os nacos de carne), iguaria que só espero comer quando a refeição tem alguma coisa a ver com ilha da Madeira. E esse não é o caso, porque as influências do chefe voltam a descer às “Américas” e aos países que tem visitado bastante ultimamente e de onde tem trazido novas formas de trabalhar os produtos. “Quis puxar o milho para a nossa gastronomia.” Simples e bem conseguido.
Não me levantei durante a refeição, mas poderia ter ido espreitar a cozinha que está totalmente aberta para a sala, um espaço bege, neutro, com cadeiras em vários tons de cinza sobre um chão que brilha. Por cima das mesas, quase todas pequenas, há duas toalhas pretas que se arrumam em cruz, e as cortinas, de cima a baixo, servem apenas para cortar a luz que chega da zona da piscina exterior (avista-se da estrada de acesso ao aeroporto). É melhor nem pensar no spa, mesmo por baixo dos meus pés, pois este pode ser utilizado por outras pessoas que não hóspedes, como é o meu caso. Concentra-te, Luísa, que ainda tens uma sobremesa para comer e trabalho para despachar à tarde.
Valeu o desvio de atenção e a espera, especialmente para mim, que tenho tendência para desprezar os doces. A fotografia do prato da sobremesa (ou deverei escrever travessa?), quase todo amarelo (há groselhas e morangos desidratados para contrastar), só pode ficar linda, mas despacha-te a disparar, Mário João, que quero provar o carpaccio de ananás e manjericão, com sorbet de citrinos e peta zetas antes que a coisa perca a graça.
Começo por despejar, conforme as instruções de quem sabe, a colher de peta zetas (quem se lembra disto?) por cima do ananás. Assim que esses pedacinhos amarelos entram em contacto com o ácido e o líquido do fruto, oiço aquele barulhinho (fsssst) que me arrasta para o momento da infância em que levava esta lambarice à boca e ela explodia, provocando estalidos atrás das orelhas e sentindo essa impressão pelo pescoço abaixo. É com um sorriso nostálgico (apesar de já ter experimentado esta brincadeira noutra sobremesa, peço desculpa, mas não me lembro em que restaurante foi) que devoro os mini suspiros que a chefe pasteleira moldou com carinho e deixo para o final o sorbet servido num shot que repousa em cima de uma camada fina de chocolate. O menu ainda contempla um café que – já não se aguenta – vem acompanhado de um chocolatinho no prato. Não dá para abusar mais: os almoços de hotel continuam amanhã e o nível promete subir.
Pineapple Week > 29 set-9 out > Colinas de Lisboa, Hotel Tryp Aeroporto Lisboa > €25