Fica no coração da Mouraria, por trás da capelinha da Senhora da Saúde (e do centro comercial que quase deu cabo dela), numa ruela pegada à Rua do Capelão e numa casa pombalina, como quase todas as outras deste bairro antigo e pitoresco e único. Tem duas salas com entradas independentes. A primeira, onde também está a cozinha, já foi carvoaria e não renega as origens, preservando os lambris de azulejo com os quais o chão recente de mosaico hidráulico liga muito bem; por cima dos azulejos, inúmeras fotos de clientes e de motivos alusivos à vida do bairro, como o fado, constituindo um grande quadro de afetos; sobre o mosaico, mesas pequenas, juntinhas, a sugerir convívio. A outra sala, com decoração mais leve e TV, é mais propícia para quem vai com crianças. Ambiente de total informalismo em ambas.
As salas estão sempre cheias, porque se come ali muito bem, à antiga e à farta. O peixe sabe a peixe, a carne a carne, os legumes àquilo que são, sem manhas nem disfarces. A começar pelo pão, que traz a marca do forno de lenha, pelo chouriço assado com um molho apimentado ou pelo queijo semi-amanteigado. A tanto se resumem as entradas. Nos pratos principais há que atentar nos que têm dia fixo, porque são todos excelentes: segunda-feira, picanha à casa, que é da vazia, tenra, saborosa e bem acompanhada com feijão preto, arroz branco e batatas fritas; terça, piano (entrecosto) com arroz de feijão; quarta, arroz de pato, com o arroz húmido, solto, suculento e a carne tentadora; quinta, ensopado de borrego, uma sedução para o olfato e o paladar; sexta e sábado, bacalhau, talvez o prato mais emblemático, assado, limpo de espinhas, lascado, regado com azeite, perfumado com coentros e acompanhado com grão-de-bico, batatas a murro e grelos. Mas se houver choquinhos, que são de tamanho médio e vão à grelha antes de serem cortados e salteados com azeite, alho e coentros, com ótimas batatinhas cozidas a acompanhar, também não se lhes resiste, nem aos bifinhos ao alhinho que têm um molho muito guloso, nem às iscas que também têm um molho grosso e sedutor, nem aos restantes pratos. Tudo feito com bons produtos e insuspeitado talento, numa casa com ar pobre e cozinha rica.
Doçaria igualmente simples e boa, do leite-creme à musse de chocolate, ao flan no copinho e ao folhado com doce de ovos verdadeiro. Garrafeira pequena, talvez porque o que mais sai são os vinhos da casa. Serviço eficiente e simpático.
Abriu no princípio do ano o Zé da Mouraria II, na Rua Gomes Freire, 60-62, ao Campo Mártires da Pátria, só ao jantar, com o mesmo conceito e a mesma gente.
Zé da Mouraria > R. João do Outeiro, 24, Lisboa > T. 21 886 5436 > seg-sáb 12h-16h (o Zé da Mouraria II só serve jantares) > €18 (preço médio)