Os estudos mais recentes sobre a fibromialgia, doença que se carateriza pela existência de dor crónica generalizada, articular, muscular e a nível dos tendões, revelam um aumento significativo e preocupante da sua prevalência a nível global, começa por explicar à VISÃO Susana Capela, reumatologista do Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Norte e pós-graduada em Ciências da Dor.
“A dor crónica generalizada é comum na população em geral, com uma prevalência de 7,3 a 12,9%, e a prevalência da fibromialgia difere de país para país, mas é superior nos países desenvolvidos, mais especificamente nas áreas urbanas”, acrescenta.
Já em Portugal, um estudo organizado pela Sociedade Portuguesa de Reumatologia e que pretendia avaliar a prevalência e o impacto na qualidade de vida, função física e saúde mental em Portugal das doenças reumáticas, concluiu que a prevalência média da fibromialgia no País é de 1.7 % (entre 1.3 e 2.1%), sendo mais comum no sexo feminino.
Os números podem não ser alarmantes, mas os especialistas concordam que, em Portugal, o diagnóstico desta doença é, várias vezes, realizado muito tarde, já que os sintomas podem ser confundidos com outros problemas.
“Como o diagnóstico é clínico, e na maioria dos casos os exames complementares de diagnóstico não demonstram alterações, os doentes podem passar vários anos com sintomas até possuirem o diagnóstico correto”, alerta Susana Capela, acrescentando que “este atraso no diagnóstico torna mais difícil a resolução das queixas”.
A especialista explica também que um doente que se queixe de dor crónica generalizada, cansaço e que revele alterações cognitivas, e caso esses sintomas sejam associados a alterações do padrão de sono, pode sofrer de fibromialgia e, por isso, os sintomas não devem ser desvalorizados. Contudo, esclarece a médica, para se confirmar o diagnóstico é necessário realizar análises clínicas e outros exames para se excluir outras doenças, nomeadamente reumáticas, que podem provocar os mesmos sintomas.
“No passado, era dada particular atenção à palpação de pontos dolorosos específicos no doente, mas atualmente é dado maior destaque ao impacto em termos cognitivos, às diferentes características do cansaço e fadiga e às comorbilidades frequentemente associadas à fibromialgia”, explica Susana Capela.
QUAIS SÃO OS SINTOMAS DA FIBROMIALGIA?
Dor crónica generalizada, não apenas articular, mas também muscular e a nível dos tendões, associada a sono não reparador e cansaço. Alguns sintomas cognitivos são muito frequentes, como dificuldade de concentração, défice de atenção e alterações ligeiras da memória. A doença pode ainda associar-se a depressão e/ou ansiedade, e há outras queixas a nível físico que são muito frequentes, como dor abdominal e alterações do trânsito intestinal (no contexto de síndrome do cólon irritável), prurido (comichão), parestesias (sensações de dormência ou formigueiro) e mesmo fenómeno de Raynaud (alteração da coloração das extremidades, sobretudo dos dedos da mão, devido à exposição ao frio). Existem diversos fatores de risco conhecidos de fibromialgia, e a sua causa é multifactorial. Os sintomas resultam da interação de fatores internos (como a predisposição genética) com fatores externos. Alguns exemplos de fatores de risco são situações traumáticas ou de stress na infância, o tabagismo, a obesidade e patologias médicas pré-existentes, nomeadamente quadros infecciosos e doenças reumáticas.
Para tratar esta doença, os medicamentos mais eficazes são os relaxantes musculares – a médica destaca a ciclobenzaprina -, os anti-depressivos, como a duloxetina, a venlafaxina e a amitriptilina, e os anti-convulsivantes, tal como a pregabalina.
Estes medicamentos “são prescritos, com frequência, em associação”, refere a especialista. “No entanto, é importante reforçar que o tratamento não farmacológico é um pilar fundamental e insubstituível do tratamento, como a prática de exercício aquático, pilates, ioga e exercício aeróbico, a psicoterapia, em particular a terapia cognitivo-comportamental, e técnicas de mindfullness“, garante.
E apesar de, nos primeiros tempos, poder haver com frequência uma sensação de agravamento de sintomas, da dor mas também do cansaço, deve insistir-se na mudança de estilo de vida para a melhoria da qualidade de vida dos doentes, diz Susana Capela.
“Nos últimos anos, têm surgido ensaios clínicos que reforçam o tratamento não apenas multimodal como multidisciplinar dos doentes. E estão a decorrer também estudos dirigidos à investigação das causas da doença e sua inter-relação, à avaliação de novos métodos de imagem e à personalização dos tratamentos de acordo com o perfil de dor dos doentes”, informa a especialista.
Mas se tem havido avanços científicos no que diz respeito ao tratamento da doença, o que pode estar a faltar? “O que existe é uma falta de sensibilização para o impacto que a doença pode ter no doente, a nível familiar e profissional, e com frequência uma desvalorização da dor e do cansaço, por vezes pelos próprios familiares”, afirma, acrescentando que “como a fibromialgia não tem repercussão em outros órgãos e sistemas, como pode acontecer nas doenças reumáticas inflamatórias, não é reconhecido, por vezes, o seu real impacto na qualidade de vida do doente e das suas famílias”.
“É fundamental esclarecer que a dor na fibromialgia não tem uma causa meramente psicológica e conhecer os mecanismos da doença” é essencial para ajudar o doente a gerir os seus sintomas, remata a médica.