O Infarmed está a analisar, a Agência Europeia do Medicamento também, mas Germano de Sousa, esse mesmo, o bastonário da Ordem dos Médicos entre 1999 e 2004, especialista em patologia clínica e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, já está a tomar. “Uso pessoalmente como uma profilaxia, enquanto aguardo que me chamem para tomar a vacina”, confessou, perante a audiência do webinar recentemente promovido pela Associação Nacional de Farmácias (ANF) sobre o assunto – justificando que, além dos seus 78 anos, o preocupa o facto de todos os dias receber centenas de pessoas no laboratório clínico com o seu nome, suspeitas de estarem infetadas com o coronavírus. E na sua equipa, acrescenta, há mais quatro pessoas a fazer o mesmo. “Há já muitas evidências dos seus benefícios”.
Germano de Sousa é o primeiro profissional de saúde a dar a cara pelo uso daquele medicamento contra a Covid-19, naquele encontro, mas não é o único. Do seu lado, estão ainda António Pedro Machado, médico internista do Hospital Santa Maria, Almeida Nunes, especialista de medicina interna no Hospital dos Lusíadas, Helena Dias Alves, presidente do Colégio de imuno-hemoterapia da Ordem dos Médicos, Henrique Carreira, especialista em medicina geral e familiar, e ainda António Ferreira, internista do Hospital de São João e professor da Faculdade de Medicina do Porto – que, sobre o mesmo assunto, dirige as mais ferozes críticas às autoridades de saúde portuguesas, a quem já enviou uma carta, em meados de novembro de 2020, a pedir a disponibilização daquele fármaco em regime de profilaxia e de tratamento precoce da Covid-19. Além de ser barata e estar amplamente disponível no mercado, sublinhava-se naquele documento, a ivermectina tem perfis de risco-benefício e de custo-eficácia adequados.
“Enquanto profissionais de saúde e de cidadãos temos o direito e o dever de exigir que as nossas autoridades de saúde tomem uma decisão sobre isto e não fiquem à espera do que dizem as entidades internacionais”, frisa ainda o internista do hospital de S. João no Porto, que já no final do ano passado, questionara também a razão para a Direção Geral da Saúde continuar a recomendar o remdesivir contra a Covid-19, “algo que já não é recomendado pela OMS.” O pior? Continua a não estar “disponível para discutir sobre os fármacos que podem salvar milhares de vidas”.
Mais de 50 ensaios? Tema em análise
Divulgada a 10 de fevereiro, aquela sessão da ANF foi convocada para responder às inúmeras dúvidas dos profissionais das farmácias que têm sido confrontadas com um número crescente de prescrições médicas a solicitar a venda daquela substância.
Trata-se de um medicamento antiparasitário aprovado para uso humano desde 1987 e que, em 2015, deu o prémio Nobel da Medicina a dois investigadores, o americano William Campbell e o japonês Satoshi Omura, pelas descobertas sobre o seu uso para combater infeções provocadas por parasitas. Em meados do ano passado, foi apontado em vários estudos clínicos como benéfico no contexto da profilaxia e tratamento dos primeiros sintomas da Covid-19. Disso deram conta também, naquele encontro, os demais médicos que o prescrevem a muitos dos seus doentes – nenhum com registo de hospitalização. “Mas há também resultados de 57 ensaios, todos bastante credíveis”, remata António Ferreira.
As suas palavras não caíram de todo em saco roto, já que poucos dias depois daquele encontro, como foi possível confirmar junto do Infarmed, a comissão de avaliação de medicamentos do instituto reuniu com alguns dos participantes da sessão da ANF, com o intuito de avaliar o uso desta substância sem ser para a aplicação terapêutica para que está recomendada. O caso está igualmente a ser considerado pela Agência Europeia do Medicamento, segundo informação divulgada no seu site.
Merck de olho num novo medicamento?
Trata-se ainda do mesmo medicamento proposto ao ministério da Saúde no final de 2020 e que criou então algum burburinho. Nessa altura, já um grupo de médicos americanos tinham dirigido um apelo ao Senado para o uso deste fármaco no combate à pandemia, depois de vários casos o sustentarem desde que a substância fora testada in vitro por investigadores australianos que, em 48 horas, conseguiram destruir o coronavírus.
Mas, segundo o fact-check então feito e amplamente divulgado pela Associated Press, havia alguma esperança ilusória no ar: ali se lê que “não há provas de que a ivermectina tenha sido comprovadamente um tratamento seguro ou eficaz contra a Covid-19. Além disso, em resposta ao pedido feito no Senado, já a FDA , a agência americana do medicamento, tinha considerado que não tem qualquer benefício contra o coronavírus – apontando-lhe, pelo contrário, efeitos secundários fortes como erupções cutâneas, náuseas e vómitos.
Amesh Adalja, especialista em doenças infeciosas da Universidade Johns Hopkins, fazia mesmo notar à AP que “a maior parte da investigação em torno da ivermectina neste momento é constituída por anedotas e estudos que não são o padrão de ouro em termos de como utilizar a ivermectina”. No seu entender, rematava, eram precisos “muitos mais dados” antes de podermos dizer que este é um tratamento definitivo”. “Estamos longe de replicar o que aconteceu in vitro”, concordava também Nasia Safdar, diretora médica de prevenção de infeções no Hospital da Universidade de Wisconsin-Madison.
Em janeiro, houve mais desenvolvimentos, depois de os médicos Paul Marik e Pierre Kory – membros fundadores da Linha da Frente Covid-19 ( em inglês, Critical Care Alliance, conhecido pela sigla FLCCC)- e de Andrew Hill, investigador e consultor da OMS, terem apresentado os seus dados ao Painel do NIH, o instituto nacional de saúde americano, e este ter atualizado a sua recomendação sobre o fármaco, tornando-o uma opção para utilização em doentes com Covid-19.
Esta nova designação actualizou o estatuto de ivermectina de “contra” para “nem a favor nem contra”,
que é a mesma recomendação dada aos anticorpos monoclonais e ao plasma convalescente,
ambos amplamente utilizados em todo o país. “Não recomendando mais contra o uso de ivermectina, os médicos devem sentir-se mais abertos a prescrever ivermectina como outra opção terapêutica”, lê-se no documento, considerando-se entao que este passo pode abrir caminho para uma futura a aprovação de utilização de emergência pela FDA.
No início deste mês, foi a vez de o laboratório Merck, fabricante da ivermectina, entrar no debate, sublinhando, em comunicado, a ausência de provas de quaisquer mais-valias na prevenção ou tratamento da Covid-19 daquele que foi, em tempos, um medicamento considerado muito subvalorizado pela própria Organização Mundial da Saúde. É verdade que, como lê no documento da OMS, os direitos de patente expiraram em meados dos anos 1990 e desde então a farmacêutica tem exportado gratuitamente o fármaco para os países em desenvolvimento. Mas agora há de estar bem mais focada no acordo de 356 milhões de dólares (qualquer coisa como 290 milhões de euros) que assinou em dezembro passado com o governo americano.
