Continuamos a encarar a sociedade como se nada tivesse mudado nos últimos cem anos. Esquecemos que aqueles que agora nascem terão uma vida adulta muito diferente da nossa. Desde logo, exercerão novas profissões. Em 2016, o Relatório do Fórum Económico Mundial antecipava que 65% das crianças que entravam nas escolas iriam trabalhar em funções que ainda não existiam.
A incerteza e as mudanças profundas que surgirão em vidas humanas mais longas e diversificadas aconselham a procurar novas soluções culturais, sociais, políticas e económicas diferentes das tradicionais, uma vez que estas estão a revelar-se inadequadas à realidade emergente.
Por exemplo, as propostas sociais mais correntes para os idosos são centros de dia, lares de terceira idade e apoio domiciliário. Mas são propostas que foram desenhadas para uma população analfabeta ou com baixa literacia e cultura, problemas de mobilidade e saúde mais acentuados. Sucede que a população portuguesa está em transformação. Por exemplo, hoje já estão a chegar à idade da reforma inúmeras pessoas com níveis de formação mais elevados, inclusivamente académicos, que necessitam de outras respostas.
As universidades e academias seniores ainda são olhadas como sendo respostas de elite e não têm os apoios do estado que deveriam ter, a fim de desenvolverem um trabalho muito mais profundo e alargado a todo o território. Falo do que sei. Em 2003, fundei com outras pessoas uma universidade sénior de que fui reitor durante cerca de dez anos, e bem sei as dificuldades que tivemos para colocar o projeto de pé, sem apoios oficiais do governo ou autarquias nem de privados. Apesar disso, veio a ser considerada uma das melhores do País e tornou-se uma instituição muitíssimo significativa para idosos, tantos na condição de alunos como na de professores ou de ambos.
A maioria dos lares de idosos não passam dum depósito de velhos doentes, sem estímulos nem programas, onde os utentes morrem um pouco todos os dias na sua inatividade, absortos, a olhar distraidamente para um televisor, a maioria deles esquecidos pela própria família e desligados da comunidade humana em que se integram.
Porque não investir em apartamentos residenciais em zona urbana, enquadrados em bairros com vida comunitária, dispondo de serviços essenciais (p. e. apoio médico, de enfermagem, cabeleireiro, limpeza), onde os utentes possam fazer ou encomendar as suas compras e cozinhar, mantendo alguma privacidade, mas nunca estando completamente sozinhos de dia nem de noite?
Por que não articular os lares residenciais com jardins-de-infância, de forma a permitir uma ligação intergeracional, que é sempre rica tanto para as crianças como para os idosos?
Porque não utilizar alguns mais velhos quando necessário, dando-lhes uma pequena formação, para irem às escolas, a convite destas contar estórias de vida às crianças e adolescentes?
Porque não organizar, potenciar oficialmente e estimular de forma ativa a oferta de quartos a estudantes deslocados na casa de idosos sozinhos, em troca de pequenos serviços de apoio?
Porque não reorganizar o mercado de trabalho de modo a que os indivíduos com idade de reforma possam continuar a trabalhar durante um período, agora em regime de tempo parcial, de acordo com o seu desejo e o interesse das empresas? Certamente todos concordamos com Camus “Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela.”
Porque se faz uma separação tão categórica entre a chamada vida ativa e a reforma? Por que não se compreende que tal separação é cada vez menos inteligente, tanto devido à progressiva longevidade como ao facto de atirar para o canto os que dispõem de mais competências e experiência profissional? E que, por essa razão, se estão a dar verdadeiros tiros no pé em temos de economia, em know-how e produtividade, para não falar nos problemas de saúde pública desencadeados por tal corte brusco, dadas as profundas implicações emocionais e mentais que desencadeia com tanta frequência? Como dizia George Sand “Cada um tem a idade do seu coração, da sua experiência e da sua fé.”
A rigidez mental de quem traça as políticas sociais nos gabinetes é de tal ordem que qualquer projeto social inovador que não se enquadre nas valências já existentes é imediatamente desconsiderado, em regra. Porquê? É que dá trabalho pensar, organizar e sobretudo lutar por uma mudança substantiva do paradigma que inspira as respostas sociais já existentes e tradicionalmente aplicadas à população idosa. Abrir novos caminhos dá trabalho e inovar implica sempre um risco que a velha “mentalidade de funcionário público” tem dificuldade em assumir.
Ou seja, somos bem menos inteligentes do que os povos primitivos ao atirarmos borda fora o nosso ouro geracional.
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