O movimento de Jesus na segunda metade do I século não era uma religião como as do paganismo cananita ou o judaísmo, embora confluísse com este último nalgumas das suas bases, como a adopção da revelação do Deus de Israel e o respeito pelo profetismo hebraico. Por essa razão muitos tiveram dificuldade em atribuir um nome ao movimento emergente que o pudesse identificar.
Afinal, do ponto de vista religioso, Jesus e os apóstolos eram todos judeus. Só que Jesus de Nazaré, sem todavia ter vindo quebrar a lei de Moisés, espinha dorsal da fé judaica, acabou por apontar aos seus discípulos um caminho mais excelente: “(…) eu vos mostrarei um caminho mais excelente” (1 Coríntios 12:31).
Mas, vendo bem, talvez a dificuldade em nomear o movimento de Jesus se estribasse numa razão mais profunda. É que o cristianismo primitivo não era de facto uma religião mas sim a proposta de uma nova forma de vida, independentemente de os fiéis virem dos cultos pagãos ou do judaísmo do Segundo Templo. Talvez por esse motivo pelo menos as duas primeiras gerações de cristãos nem sequer pensassem que estavam a praticar uma nova religião, até porque estavam demasiado ocupados com as exigências do seu crescimento inesperado.
Numa caracterização feliz, José Antonio Pagola, o teólogo basco dedicado aos estudos bíblicos, nomeadamente à investigação sobre o Jesus histórico, define o cristão primitivo como “um homem ou uma mulher que vai descobrindo em Jesus o caminho mais acertado para viver, a verdade mais segura para se orientar e o segredo mais esperançoso da vida”. Afinal, a criação e desenvolvimento de um novo ethos, estribado na filosofia do reino de Deus que Jesus havia proposto no sermão do Monte.
Essas comunidades de fé que se reuniam convocadas pela fé em Jesus Cristo ressuscitado nalguns locais eram denominadas como os “do Caminho”, talvez inspirado pela Epístola aos Hebreus que citava um “novo e vivo caminho”, mas também porque João Evangelista relata que o próprio Jesus dissera de si mesmo que era “o caminho, a verdade e a vida”.
Os cristãos de outros lugares eram conhecidos como os “nazarenos”, visto que seguiam os passos de Jesus de Nazaré. Noutros lugares ainda, como Éfeso ou Corinto, as congregações locais eram conhecidas como “igreja” (eklesia), denominação inspirada na vida romana, que significava assembleia, nome esse que reforçava a ideia de comunidade participativa à maneira greco-romana.
Apenas em terreno gentílico (Antioquia da Síria) os cristãos começaram a ser conhecidos por tal designação: “E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos” (Actos 11:26).
De todo o modo a prioridade destes fiéis não era em caso algum viver dentro duma qualquer instituição religiosa rígida e estereotipada, mas sim aprender a viver em comunhão uns com os outros, tendo Jesus como exemplo, no seio do império romano, e ensinar outros a viver do mesmo modo (“fazer discípulos”). Este foi o segredo do seu sucesso, força e vitalidade.
Mas isto passava por ser solidário com os pobres, os doentes, os estrangeiros e os marginalizados da sociedade, manifestando a mesma compaixão do chamado bom samaritano, da estória que o Mestre havia contado um dia.
Este caminho de Emaús, a caminhada com o Cristo ressuscitado, mas agora em plena consciência de que caminhamos com Ele é, afinal, o desafio que ainda hoje é proposto a todo o cristão.
O reino de Deus é como o caminho de Emaús. É neste caminho de fé, a partir de Jerusalém, que o Cristo Ressuscitado nos vai aquecendo o coração, sempre que nos fala. E se nos vai revelando dia-a-dia, cada vez mais, em especial quando nos parte o Pão da Sua Palavra, estando nós sentados à Sua Mesa (Lucas 24:13-32).
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