Quem visitar Londres por estes dias depara-se com manifestações de rua, no coração da grande metrópole, que expressam forte repúdio pelo abandono da União Europeia. Elas têm lugar perto do Big Ben e do número 10 de Downing Street, a sede do governo e, pelas reacções, parecem contar com o apoio de boa parte da população, embora muitos ainda se mantenham à mercê do tradicional orgulho insular.
A nostalgia do velho Império Britânico ajudou a ditar o voto a favor do Brexit, pelo menos nas gerações mais velhas. O Reino Unido, mesmo enquanto esteve na União ficou sempre com um pé de fora, nunca aceitando aderir à moeda única em nome da sagrada libra, ao contrário dos continentais.
Mas a grandeza do passado vitoriano já lá vai, em especial desde a perda da jóia da coroa em 1947, dando origem a dois novos países independentes, Índia e Paquistão, sobretudo devido à força moral de Ghandi e à sua inovadora proposta de acção política, a não-violência.
Mas houve outras razões mais rasteiras e ocultas numa campanha de mentira promovida por políticos sem escrúpulos como o nacionalista Nigel Farage e o conservador Boris Johnson. Em resultado disso agora o povo britânico torce a orelha.
Durante todo este tempo, desde o Brexit, o governo britânico andou a tapar o sol com a peneira. Fingiu que a saída constituía um ganho para o país e simulou que estava tudo bem. Além de ter perdido relevância no contexto europeu, de ter deixado fugir a tutela de duas agências relevantes, como a Agência Europeia do Medicamento e a Autoridade Bancária Europeia, e de ter passado por períodos de falta de diverso tipo de bens. Londres continua a necessitar de muita imigração para que a economia funcione. Basta andar pelas ruas e transportes públicos da cidade para o comprovar.
As gerações mais novas e menos acantonadas na ilha e os estudantes que fizeram Erasmus e que votaram no sentido de permanecer na União, continuam inconformadas e a maior parte já se rendeu à realidade.
A agonia do governo Tory prolongou-se excessivamente devido ao sistema parlamentar, quando já não tinha o apoio da esmagadora maioria do eleitorado, e enquanto ia passando pela chefia do governo uma sucessão de primeiros-ministros de uma incompetência atroz.
Em suma, deixaram a economia do país num estado lamentável, de tal modo que o governo trabalhista recentemente eleito já teve que vir alertar sobre a inevitabilidade do orçamento de estado do próximo ano ter de ser restritivo. Agora é que a população vai sentir na pele o resultado da precipitação estúpida do ex-primeiro-ministro conservador David Cameron, que se lembrou de convocar o referendo pensando que o iria ganhar. Em vez disso abriu uma caixa de Pandora que está longe de ser fechada.
Os idosos nostálgicos da Inglaterra imperial estão agora a ver os seus centros comunitários fechados. Bem avisaram os líderes da Igreja de Inglaterra quando vaticinaram que os mais pobres ficariam a perder e muito com o Brexit, caso o Reino Unido saísse da União Europeia sem acordo, quando Boris Johnson correu a pedir a suspensão do Parlamento à rainha, sem dar tempo a que os deputados que se opunham à saída pudessem discutir, analisar e pôr em marcha legislação necessária para evitar a saída.
O Brexit foi um êxodo falhado. Só o orgulho nacional impede os ingleses e apenas eles (a Escócia votou contra a saída!) de estenderem a mão à palmatória por terem dado ouvidos ao canto da sereia populista, e admitirem que estariam bem melhor dentro do que fora. Apesar dos seus defeitos e dificuldades a UE ainda é um espaço de progresso e prosperidade.
O novo primeiro-ministro, o trabalhista Keir Starmer, já demonstrou interesse em aproximar a Grã-Bretanha da UE. Daqui a uns anos há-de se voltar a colocar a hipótese da readmissão. Mas ninguém vai devolver o tempo entretanto perdido.
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