No início deste Verão faleceu o grande teólogo alemão Jürgen Moltmann com 98 anos. Philip Yancey diz que o dia da sua morte é uma das ironias da história, pois este antigo soldado, quando ainda era adolescente partiu “na mesma semana em que o mundo comemorou o 80º aniversário do Dia D, a invasão das tropas aliadas no Norte de França e que viria a garantir a derrota do seu país na II Guerra Mundial”. Para reforçar ainda mais esta ironia, Moltmann – que é reconhecido como “o teólogo cristão mais lido dos últimos 80 anos” – fica lembrado pela sua “teologia da esperança”, que desenvolveu num campo de prisioneiros de guerra.
Aos dezasseis anos Moltmann queria ir para a universidade e formar-se em física quântica, mas o sonho foi interrompido subitamente quando toda a sua turma foi convocada para o serviço militar no apoio às baterias antiaéreas que defendiam Hamburgo. Foi nessa altura que ficou chocado com as hordas da aviação aliada que bombardeou a cidade provocando quase 40 mil baixas só de civis.
O jovem Moltmann tomou contacto pela primeira vez na vida com os horrores da guerra. Viu os seus colegas e amigos serem trucidados e queimados e ele próprio só conseguiu sobreviver agarrado a um pedaço de madeira num lago cercado pelo fogo. Rodeado de cadáveres questionou-se: “Onde está Deus?”, “Por que razão estou vivo?”
Chegado à linha da frente percebeu claramente que os mancebos recrutas alemães mal treinados eram atirados para o teatro de guerra apenas como carne para canhão, a fim de adiar por mais algum tempo a derrota final nazi.
Por isso rendeu-se aos britânicos e passou o resto da guerra como prisioneiro. Quando o Terceiro Reich acabou Moltmann observou com grande tristeza como alguns prisioneiros alemães colapsaram, devido à perda da esperança, e por causa disso adoeceram e morreram.
Sem formação religiosa o jovem tinha levado para a guerra apenas poemas de Goethe e obras de Nietzsche, mas isso não lhe devolveu esperança.
Entretanto, quando estava preso recebeu um exemplar do Novo Testamento e Salmos oferecido por um capelão americano. Um dia leu: “Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também” (Salmo 139:8).
Afinal Deus poderia estar presente naquele lugar escuro? Não tinha o próprio Jesus clamado no Calvário: “Meu Deus, por que me desamparaste?” Por fim Moltmann entendeu que Deus estava presente por detrás do arame farpado, mas também encontrou esperança, a mesma que mais tarde o levou a desenvolver a sua “teologia da esperança”.
Portanto, foi enquanto prisioneiro de guerra que Moltmann descobriu a fé. Mais do que isso, descobriu um Deus solidário que se faz presente no sofrimento humano e que nele desencadeia a esperança. Ela não é só a última a morrer, é sobretudo uma força poderosa que nos mantém vivos.
Foi a esperança da libertação que transformou a vida quotidiana de Moltmann naquele campo de prisioneiros, estimulada pela fé num Deus que prometeu fazer novas todas as coisas. Ele observou atentamente a humanidade dos trabalhadores escoceses do campo e até um cerejeira dar flor. Às vezes as pequenas coisas fazem-nos entender que afinal a vida vale a pena.
A teologia de Moltmann debruça-se sobre o Deus que se faz presente no sofrimento e a sua promessa de um futuro melhor. Ele pensava que, se Jesus tivesse vivido durante o Terceiro Reich, muito provavelmente teria sido enviado com outros judeus para as câmaras de gás.
Numa frase, o autor de O Deus Crucificado expressa o grande período entre a Sexta-Feira Santa e a Páscoa. Na verdade, é um resumo da história humana, entre o passado, o presente e o futuro: “Deus chora connosco para que um dia possamos rir com ele”.
Não foi só Moltmann que soube transformar a sua visão de Deus e do mundo quando mergulhado em situação de desespero. Também o neuropsiquiatra austríaco Victor Frankl o fez. O facto de ter estado prisioneiro num campo de concentração nazi levou-o a desenvolver a Logoterapia, a terapia do sentido da vida.
É que a vida pode e deve ter sempre um sentido.
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