Na política atual, em Portugal e um pouco por todo o Ocidente, a moderação é frequentemente interpretada pela sociedade como uma demonstração de indiferença e cobardia. Aparentemente, querem-se os responsáveis políticos acicatados pela notícia de última hora, dispostos a comunicar 24 horas por dia e a tomar decisões determinantes e irreversíveis no imediato, sem esperar pelos factos e sem ponderar sobre estes.
Uns cedem à pressão, e com um enorme custo. Podemos vê-lo com o que se passou na última semana depois da morte de Odair Moniz e dos tumultos por ela desencadeados na Grande Lisboa. Ao invés de aguardar pelos factos da morte, vários políticos da nossa praça preferiram fazer o papel de espalha-brasas irresponsáveis, tirando conclusões precipitadas que ganharam com eles caráter definitivo e que não admitem meio termo. De um lado, legitima-se os tumultos como forma de combate à repressão policial; do outro, afirma-se que se a polícia “atirasse a matar mais vezes, haveria mais ordem no País”. Este conflito social desencadeado pela morte de Odair Moniz demonstrou a desfaçatez com que certos políticos insensatos estão dispostos a destruir a convivência democrática em nome de notas de rodapé nos telejornais, de conteúdo viral no TikTok e de clickbaits superficiais.
A violência nas ruas da Grande Lisboa revelou a verdadeira luta da política contemporânea, que já não é só pelo destaque mediático, como também pela liberdade de se falar no tempo adequado, com todos os dados na mão, depois de maturada a posição a tomar – ao invés de falar de rompante, de agir precipitadamente, impossibilitando soluções construtivas e duradouras. Chega e Bloco de Esquerda não quiseram comprar a batalha da serenidade e preferiram a saída fácil: uns, caricaturar as forças de segurança e desculpabilizar a desordem pública causada por delinquentes; outros, legitimar mortes sem conhecer os factos e os detalhes (chegando inclusivamente ao ponto de sugerir a “condecoração” de um agente da PSP sem sequer passar o teste dos factos…). Depois, passaram três dias de fogo cruzado nas redes sociais. Três dias de ataques lançados através das câmaras de televisão. E, ao terceiro dia de confrontos nas ruas, encapuzados atacaram um motorista de autocarros de 42 anos – uma vítima invisível da polarização inflamada por políticos irresponsáveis. Sabe-se que vai ficar com lesões para o resto da vida.
A verdadeira coragem política do século XXI reside na defesa da moderação construtiva. Na arena mediática, quando duas partes estão envolvidas nas ruas, a neutralidade não é uma fraqueza, antes um sinal de bom senso, responsabilidade e compromisso com a paz social. Dizia Thomas Mann que a guerra é a saída cobarde para os problemas da paz. Que saibamos ter coragem e, mais importante, que saibamos o que é a coragem. Bem sei que esta coragem compromete a carreira política de certos líderes e figuras partidárias do nosso país, que preferem a cobardia da insensatez; mas esta coragem é necessária para preservar a democracia e, com ela, a convivência. Só assim é que não vamos acabar a pôr portugueses contra portugueses.
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