É comum no dia-a-dia dos tribunais, e na sociedade em geral, ouvir-se queixumes de que o Direito deveria ser mais acessível, previsível e objetivo. Que deveria ser “assim como a Matemática”.
Mas felizmente para todos nós, enquanto sociedade que vive num Estado de Direito, ainda bem que não é!
Não olvidamos as virtualidades da Matemática, não é esse o nosso objetivo, bem pelo contrário. A Matemática é uma ciência reconhecida pela lógica e rigor, que utiliza regras precisas que não admitem interpretações subjetivas. É frequentemente usada para resolver problemas quantitativos e qualitativos, encontrando soluções objetivas com base em raciocínios logicamente válidos. Por tudo isso, a Matemática é uma disciplina fundamental que se aplica a várias áreas da ciência, como a engenharia, economia, a medicina…e até no Direito.
Por outra via, o Direito é um ramo do saber com cariz de maior subjetividade. Caraterizador dessa mesma subjetividade é o jargão utlizado no meio jurídico: quando quatro juristas estão a discutir um tema de Direito existem sempre cinco opiniões diferentes.
Todavia isto não invalida que não existam regras perfeitamente definidas. Ao jurista, seja Juiz, Procurador, Advogado, Notário, ou de outra área forense, é exigido um alto nível de preparação e rigor. As Leis da Assembleia da República e os Decreto-Lei do Governo, devem ser aplicados de forma consistente e justa, evitando ambiguidades e interpretações contraditórias.
Mas se esta problemática subjacente à interpretação e subjetividade do Direito, que abrange todo o ordenamento jurídico português, é geradora de alguma incompreensão pelo cidadão, a questão é amplamente intensificada quando se trata da jurisdição penal, porque aí o que está em causa é a Liberdade.
Porém, no ato decisório, o julgador tem ao seu dispor instrumentos e ferramentas jurídicas que lhes permite aplicar a Lei de forma equilibrada, ponderada, razoável e, acima de tudo, justa.
Para isso, quanto aos critérios de escolha da pena, o Código Penal determina que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por outro lado, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias – agravantes e atenuantes – que, depuserem a favor ou contra o arguido.
A título de exemplo, atendamos ao crime de homicídio (art.º 131.º do Código Penal). O mais grave do ordenamento jurídico-penal, não só pela moldura da pena, mas também pelo bem jurídico que pretende salvaguardar: a vida. No entanto o menos complexo, atento à conduta do agente para a consumação do crime: Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
O resultado é a morte de uma pessoa.
Vejamos algumas das possibilidades:
- a morte pode ter sido provocada em circunstâncias – atenuantes – que permitam concluir que o arguido agiu em legítima defesa e não será punido por essa conduta;
- ou então essa morte pode ter tido lugar em circunstâncias que permitam concluir que o arguido atuou dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa e por isso poderá ser condenado por um crime de homicídio privilegiado, punido com pena de prisão de 1 a 5 anos;
- por outro lado, a mesma morte pode ter sido provocada em circunstâncias – agravantes – que revelem especial censurabilidade ou perversidade, nomeadamente por empregar tortura ou ato de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima, e por isso o arguido poderá ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado e punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos;
- a morte pode ainda ter sido provocada em contexto de acidente de viação, mediante a violação de regras de circulação rodoviária, e com essa conduta o arguido praticar um crime de homicídio por negligência e poder vir a ser condenado numa de prisão até 3 anos;
Conclui-se assim que, pese embora as duas áreas do saber sejam completamente distintas – a Matemática puramente objetiva e o Direto de cariz mais subjetivo -, a verdade é que a arquitetura de resolução é muito mais complexa na área do Direito.
Como todos sabemos, na Matemática, dois mais dois são sempre quatro, o resultado não pode ser alterado em face da sua resolução objetiva.
No Direito, o resultado morte pode implicar sanções amplamente distintas que dependem de diversos fatores internos e externos ao arguido, cuja apreciação, valoração e decisão tem de ser proferida de acordo com os factos, com as circunstâncias e, acima de tudo, com a prova produzida em audiência de julgamento.
Para todos aqueles que apreciavam que o Direito fosse mais previsível e objetivo, só uma afirmação: ainda bem que o Direito não é Matemática!
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