Elina Fraga é populista, traidora, gulosa e promíscua. É? A fazer fé nos assobios raivosos com que a receberam os seus “companheiros” no congresso do PSD, bem como no que sobre ela foi sendo publicado nos últimos dias, relacionando-a com esquemas supostamente promíscuos na gestão da Ordem dos Advogados durante o período em que foi bastonária, parece ser – e não é pouco. Será?
Talvez sim. Ou não. Vamos por partes.
Sobre o populismo de que a acusou Marques Mendes no seu comentário televisivo semanal: a verdade é que Elina Fraga é uma criação de Marinho e Pinto, o príncipe decrépito do populismo indígena. Foi o agora deputado europeu (aquele que vociferou contra o salário milionário dos eurodeputados mas que nunca prescindiu de o auferir) que a escolheu para a sua equipa, criando posteriormente condições para que lhe sucedesse. Elina Marlene (é este o seu nome do meio) nunca desiludiu o criador: copiou-lhe o estilo e agitou histericamente muitas das suas bandeiras.
Sobre a sua suposta gula e alegada promiscuidade: soube-se agora que a ex-bastonária está a ser investigada pelo Ministério Público por eventuais irregularidades na gestão da Ordem dos Advogados. Em causa estará, entre outras coisas menores, o facto de, dos cerca de 520 mil euros gastos pela Ordem em serviços jurídicos entre 2014 e 2016, 84% terem ido forrar os bolsos de apenas três advogados, sendo que um deles, Adérito Ferro Pires, é o antigo patrono de Elina, e outra, Carla Morgado, terá recebido, em aparente violação dos estatutos da Ordem, 37 mil euros em honorários. A mesma Carla Morgado que é agora sócia de Elina Fraga no escritório que partilham. Estranho? Muito difícil dizer que não.
Terá sido então por considerarem que Elina Fraga não possui arcaboiço ético para desempenhar um cargo no partido, que os militantes a assobiaram freneticamente no congresso do passado fim-de-semana? Nada disso.
Desgraçadamente, o problema do PSD – ou, vá lá, de algum PSD – com Elina tem a ver com tudo menos com a ética, que em política vale o equivalente à moral na obra de Oscar Wilde. O que inquieta os laranjinhas é outra coisa: as posições altamente críticas de Elina face à política de Justiça do Governo Passos Coelho e, tão ou mais importante do que isso, o seu discurso contra os conflitos de interesses que minam a credibilidade dos nossos deputados.
Sobre Justiça, Elina não disse nada que a esmagadora maioria da população não pensasse: que o sector estava a atravessar “uma depressão catatónica”, que havia uma “produção esquizofrénica de legislação” imposta de “forma autocrática”, que as custas judiciais eram “desproporcionais aos rendimentos das famílias”, constituindo “um obstáculo intransponível ao acesso à Justiça”. Sim, é verdade que
não se ficou pelos bitaites e apresentou uma queixa-crime contra os membros do Governo PSD/CDS que estiveram no Conselho de Ministros em que foi aprovado o mapa judiciário, mas isso é currículo, e não é só porque a iniciativa era má – é porque revela um desprendimento razoável relativamente ao partido a que pertence, o que, como sabemos, é um exercício que em Portugal é quase tão raro como o lince da Malcata.
Também as suas posições sobre a promiscuidade que alguns deputados que exercem advocacia mantêm com o mundo empresarial não são originais, mas são corajosas, tendo em conta a sua condição de militante de um partido em que esses casos são um clássico moderno. Disse Elina em entrevista ao Expresso: “Alguém pode atender um cliente de manhã e fazer uma lei à tarde capaz de abstratamente beneficiar esse cliente(…) existem [deputados] que veem a Assembleia da República como um centro de negócios, aproveitando a sua capacidade de influência e a sua rede de conhecimentos para promoverem uma angariação ilícita de clientela.” Valerá a pena dar exemplos práticos de deputados e ex-deputados do PSD que se deram muito bem no sector privado sem que tivessem aparente currículo em matéria de gestão?
Resumindo, baralhando e concluindo: o que está em causa no Elinagate não é a ex-bastonária, é aquilo que ela representa para um partido que tem ódio visceral a todos os que colocam em causa a sua relação heterodoxa (vamos chamar-lhe assim) com a ética no exercício da política.
Nada tenho contra os assobios a Elina Fraga. Mas preferia que eles acontecessem por motivos que não envergonhassem os militantes do PSD. Era mais saudável para o partido e mais higiénico para a democracia.