A praça de Guilherme Gomes Fernandes, antiga praça de Santa Teresa, velhíssimo campo da Via Sacra, dos tempos medievais, onde, em 1850, se fazia a feira do pão, é, na atualidade, com suas esplanadas e a sua proximidade com dois dos incontornáveis ícones turísticos da cidade (a torre dos Clérigos e a livraria Lello) um dos sítios mais frequentados pelos turistas. O que eles não sabem, e a generalidade dos portuenses ignora, é que na segunda metade do século XIX já havia naquele local um estabelecimento que era, no Porto, dos mais procurados por quantos vinham à cidade, lisboetas incluídos.
Falamos da taberna do João do Buraco, um estabelecimento de aspeto nada convidativo, um autêntico buraco, “negro como o pez”, escreveu alguém, lúgubre e sujo mas onde se comia muito bem e se bebia dos melhores verdes das famosas regiões do Douro, de Amarante e de Bastos. E, caso curioso: o “João do Buraco“ era frequentado pela nata da intelectualidade portuense, mas não só.
O conde de Resende, sogro do nosso Eça de Queirós, era dos mais assíduos. Apreciava, especialmente, um bom prato de bacalhau assado na brasa, antecedido de um caldo verde servido numa tigela de barro vermelho e comido com um tradicional garfo de ferro. Rival do célebre Reimão, que ficava na estrada para Campanhã, hoje avenida de Rodrigues de Freitas, e do Caldos de Galinha, ali ao lado, no largo dos Ferradores, agora praça da Carlos Alberto, a taberna do João do Buraco era o ponto de encontro de poetas, jornalistas, professores da Politécnica, cirurgiões do “Santo António” e até atores famosos por lá passaram. Um deles foi o famoso tenor Gayarre quando veio ao Porto para cantar a ópera “A Favorita” no teatro de S. João. No dia em que se despediu da cidade que tanto o aplaudiu mandou servir uma ceia festiva obrigada a bacalhau assado na brasa e caldo verde. O grande Bordalo Pinheiro em calhando de vir ao Porto era no João do Buraco que ia comer.
Agora que o Porto regista cada vez maior número de visitantes e quando se abrem cada vez mais hotéis, ou coisas do género, não seria de alguma utilidade que se recreassem espaços, necessariamente adaptados aos tempos modernos, com os nomes tradicionais de antigas tabernas e neles se voltassem a servir os tradicionais pratos da cozinha portuguesa e pois então! A Padaria Ribeiro, com seus afamados palitos de milho, é a única reminiscência que ficou dos tempos antigos. Quem se lembra hoje dos bifes à padre Piedade, que era o capelão da capela das Almas e um excelente gastrónomo? E do prato de farinha de pau com peixe?
Não se sugere um regresso ao passado. Sugere-se, sim, que se aproveite o melhor do passado para nos sentirmos confortáveis no presente.