Voo entre São Paulo e Brasília. De pé, na parte da frente do avião, um homem em mangas de camisa e gravata azul levanta-se e agarra o intercomunicador. Sorridente, desfaz-se em elogios à tripulação e aos passageiros e deixa uma garantia: vai percorrer todos os assentos para ouvir as críticas e as recomendações de cada um. Pelo caminho, não termina sem promover os novos voos da companhia que vão arrancar nas semanas seguintes, incluindo aqueles que têm como destino Lisboa.
A intervenção, feita em junho de 2016, é do então líder da companhia aérea brasileira Azul e ficou registada em vídeo. Hoje circula no YouTube com um nome sugestivo: Antonoaldo, o presidente vendedor. E já deixa entrever alguns dos traços de Antonoaldo Grangeon Trancoso Neves, aquele queé, a partir de hoje, 31 de janeiro, o novo presidente da TAP. Nascido em Salvador da Bahia há 42 anos – em março de 1975, mês e meio antes da nacionalização da transportadora aérea portuguesa – o gestor é um sinal de reforço da influência de David Neeleman, o principal acionista privado da companhia e dono igualmente da Azul. E marca uma nova etapa no percurso da transportadora de bandeira, mais que não seja porque sucederá no cargo ao histórico Fernando Pinto, que sai ao fim de 17 anos e deixa concretizada a privatização da empresa.
Antonoaldo e Neeleman partilham a mesma pista do seu percurso na aviação há mais de cinco anos, que culminou com a chegada de Neves ao universo Azul em janeiro de 2014, altura em que o empresário norte-americano o escolhe para liderar a terceira maior companhia aérea do Brasil.
Aos comandos da companhia regional conduziu a expansão para as rotas internacionais (nomeadamente para os EUA), ajustou a oferta à turbulência dos anos da crise, modernizou e expandiu a frota. Os quase quatro anos que passou na empresa coincidiram também com a entrada de novos acionistas – os chineses da HNA e os norte-americanos da United Airlines – e com a chegada da Azul ao capital da TAP. Foi há dois anos, quando o grupo esteve às compras em Lisboa através do consórcio Atlantic Gateway. Uma união que resultou depois em parcerias comerciais com a empresa portuguesa.
A colocação da empresa brasileira na bolsa em Nova Iorque e São Paulo – em abril do ano passado – coroaria o consulado de Neves. Mesmo após três tentativas falhadas, em que as condições adversas do mercado de capitais no país fizeram abortar a oferta pública inicial de ações.
Uma experiência acumulada que este gestor com nacionalidade brasileira e portuguesa terá oportunidade de continuar a aplicar ao longo dos próximos anos na TAP – empresa onde desde julho já estava como administrador. Por um lado, mantendo a relação próxima com os investidores chineses, que reforçaram recentemente para 11,5% a sua posição no consórcio privado da TAP e indicarão pela primeira vez um administrador executivo para a companhia portuguesa – Raffael Alves, hoje diretor financeiro da Azul. Por outro, porque o know-how obtido durante o processo de entrada da brasileira em bolsa encaixa como uma luva na realidade potencial da TAP, num contexto em que a Atlantic Gateway (onde também está o português Humberto Pedrosa) defende a dispersão de capital da companhia no mercado de capitais, até 2020.
Na Azul todos são tripulantes. E na TAP?
“De todos os presidentes da companhia, sempre foi o mais acessível,” disse à Visão o comandante Adriano Castanho, diretor no Sindicato Nacional dos Aeronautas no Brasil, recordando em específico os anos recentes da crise económica, em que o gestor esteve sempre presente nas reuniões com trabalhadores da Azul. “Se envolvia bastante nos assuntos, era bastante atuante em Brasília. Havia bastante conversa em relação à estratégia,” acrescentou.
É algo que o próprio Antonoaldo tenta vincar em várias intervenções públicas: para a Azul, não há empregados, há tripulantes. É esta a designação aplicada a todos os cerca de 11 mil funcionários da empresa – número semelhante ao da TAP – e que a companhia diz ser a prioridade da sua ação, a par do bem-estar dos passageiros. “Tudo o que a gente faz é com dois grandes objetivos: proporcionar o melhor emprego da vida dos nossos tripulantes, porque se a gente trata bem o tripulante, o tripulante trata bem o cliente e o cliente volta. E [proporcionar] a melhor experiência de voo da vida dos clientes,” dirá Antonoaldo em outubro de 2015.
Se as palavras sobre a Azul são abundantes, sobre a TAP ainda nem uma afirmação pública se ouviu do gestor desde que foi anunciada sua a ida para CEO. Antonoaldo quererá esperar pela confirmação do seu nome na assembleia geral da companhia, no final deste mês, antes de fazer declarações. Já Fernando Pinto, que em breve cessa funções, não poupou nos elogios: “Não podia estar mais contente e entusiasmado com esta escolha para assumir os destinos da TAP. É a pessoa certa, e pela qual tenho grande admiração,” disse em comunicado.
O ouvinte paciente que envolve antes de decidir
Entre as marcas do novo presidente, fluente em castelhano e com raízes portuguesas (o avô é de Oliveira de Azeméis), estão o controlo de custos e a racionalidade dos investimentos. Enquanto foi presidente da empresa, qualquer novo funcionário da Azul só podia ser contratado com a sua autorização e assinatura. E aquilo que o próprio concordava tratar-se de “alta eficiência” na gestão aplicava-se também ao funcionamento interno ao mais alto nível: em vez de uma secretária exclusiva para cada responsável, havia quatro administradores a partilharem os serviços da mesma assistente administrativa.
Mas este conceito de poupança – garante – termina à porta da empresa e assim que começa o espaço do consumidor. “Em tudo o que diz respeito ao cliente, gastamos. (…) O low-cost na nossa cabeça é muito mais uma mentalidade do que outra coisa,” disse no ano passado a jornalistas que lhe perguntaram se a Azul era uma low-cost. Numa outra viagem de avião, também retratada no YouTube, é visto a dizer aos passageiros: “Aproveitem aí os snacks. Aqui não precisa pagar para comer não, tá bom? Então podem guardar a carteira e servir à vontade.”
Na companhia portuguesa, diz quem o conhece que tem por hábito ouvir muito. É frequente, numa reunião, escutar pacientemente o seu interlocutor, deixando-o explicar as suas ideias e propostas. Antonoaldo fala no fim, depois de processar o que acabou de ouvir. Um estilo que, dizem, estimula a participação das equipas, ainda que a decisão final seja a sua.
A escola McKinsey
O voo que o traz agora à TAP começou há 18 anos na McKinsey&Company do Brasil. Ali chega a partner em 2012 e, no ano seguinte, lidera a integração da Azul e da concorrente TRIP. Na consultora, cria ainda a área especializada em infraestrutura.
“A chegada do Antonoaldo à TAP confirma tanto a sua competência como gestor quanto a excelência daqueles que fazem e fizeram parte do time da McKinsey. (…) Ele sempre prezou e se esforçou muito para ter um desempenho acima da média. É tanto um ótimo estrategista, ambicioso nos seus projetos, quanto um grande realizador. Isso sempre motivou todos ao seu redor,” disse à VISÃO o presidente da McKinsey Brasil, Vicente Assis, que trabalhou sete anos com Antonoaldo. Nesse período intensifica-se a sua experiência no setor: ajuda a desenhar o planeamento de longo prazo do setor aéreo brasileiro até 2030 e integra a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, onde fica dois anos.
Mas a sua carreira começou longe das asas dos aviões. Há 20 anos licencia-se em Engenharia e envereda pela montagem de obras eletromecânicas da construtora Odebrecht, mantendo-se na fileira imobiliária e passando mais tarde pelo planeamento estratégico da Cyrela Brazil Realty. O mestrado em Corporate Finance pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e o MBA pela Darden School of Business da Universidade da Virgínia (EUA) preparam-no para o perfil de gestão. Conta ainda com experiência na área da educação como administrador da Anima, uma das maiores organizações de ensino privado no Brasil.
“Tenho certeza de que, como em seus desafios anteriores, ele se sairá muito bem. O setor aéreo é especialmente desafiador, e Antonoaldo o conhece com profundidade,” acrescenta Vicente Assis.
A TAP que Antonoaldo vai encontrar
Agora chega à companhia portuguesa, onde terá de continuar a enfrentar a forte concorrência das low-cost e o estrangulamento a prazo no hub do aeroporto de Lisboa (numa altura em que ganha corpo a alternativa Montijo). Além disso, entre os seus desafios está ainda a pressão do lado dos custos, a manutenção da paz social na companhia e o lançamento de novos destinos.
No verão passado, a recuperação do mercado brasileiro e a abertura de novas rotas para África e para os EUA por parte da operadora garantiram, segundo a gestora dos aeroportos portugueses, o melhor verão de sempre para estas infra-estruturas, onde o tráfego cresceu a dois dígitos até setembro.
A pedra no sapato continua a ser os prejuízos crónicos do grupo TAP (27,7 milhões de euros negativos em 2016, condicionados pela prestação da unidade de engenharia no Brasil). Já a TAP S.A. – que congrega o negócio de aviação –, conseguiu nos últimos anos colocar-se acima das nuvens: lucrou 33,5 milhões de euros em 2016, contra prejuízos de quase 100 milhões um ano antes. Os números de 2017 não são ainda conhecidos, mas Fernando Pinto, em declarações recentes ao Expresso, já desvendou o seu sentido: “serão certamente resultados recorde”.
Na equipa que está já fechada para o período 2018 – 2020, e que será aprovada no final do mês de janeiro, Antonoaldo Neves é acompanhado de David Pedrosa (filho de Humberto Pedrosa, accionista português do Atlantic Gateway) e de Raffael Quintas, CFO da Azul, ambos administradores com funções executivas. No conselho de administração o Estado quer reconduzir as seis pessoas que já tinha indicado – entre os quais o chairman, Miguel Frasquilho, e o advogado Diogo Lacerda Machado.
Os números com que voa a TAP
Os primeiros tempos de gestão privada coincidem com o regresso do negócio da aviação a terreno positivo. Em 2017, os resultados serão “certamente” um recorde, como antecipou o CEO cessante.
33,55 milhões de euros – É o valor dos lucros obtidos em 2016 – último ano completo conhecido – pelo negócio de aviação. Já o grupo– a TAP SGPS – continuava com prejuízos no primeiro semestre de 2017: 52,075 milhões de euros.
88 aeronaves – A frota da companhia de bandeira opera em mais de 100 rotas. Cerca de 20 aparelhos estão ao serviço da TAP Express, operadas pela Portugália e pela White Airways.
11 000 colaboradores – O número de trabalhadores na TAP (em 2016) é semelhante ao da Azul. Metade do efetivo está ligado à atividade de transporte aéreo.
O legado de Fernando Pinto
A missão de Fernando Pinto, quando chegou à TAP, era simples, ainda que não fácil: assegurar a transição no processo de privatização da companhia. Em 2000, tudo estava acertado com a Swissair, mas a operação acabou por falhar com estrondo. Aquilo que era um mandato focado numa tarefa, transformou-se, nas palavras do próprio Pinto na hora da despedida, em “15 anos de sobrevivência”. Nesses 15 anos, a TAP passou por uma verdadeira revolução estratégica, focando- -se no conceito da localização de Lisboa como porta giratória entre a Europa, África e América Latina, sobretudo o Brasil. Pinto resistiu a vários ventos contrários, soube seduzir os grupos internos de pressão e sobreviveu a vários governos, acabando por conseguir concluir a entrada dos privados. Como mancha fica a compra da TAP Manutenção e Engenharia, que destruiu resultados, mas nem isso abalou a confiança dos acionistas. Com a entrada de David Neeleman e de Humberto Pedrosa, Pinto ficou para estabilizar o novo ciclo. Os números de 2017 mostrarão um lucro recorde e a base para o futuro.