No mesmo dia em que Portugal pode ver, a olho nu, um cometa a passar, deixando um rasto luminoso nas alturas, o mundo pode assistir, através de um ecrã, a outro feito histórico, também ele largando um feixe de luz pelos céus. Mas, ao contrário da passagem do astro, que só voltará a ser visível daqui a 80 mil anos, o lançamento do foguetão Starship e o retorno do seu propulsor à base deverá ser repetido, vezes sem conta, no futuro dos voos aeroespaciais.
Pelo menos é assim que sonha Elon Musk, aos 53 anos, o homem mais rico do mundo e dono da norte-americana Space X, que anda há muito tempo – e há 5 tentativas – a insistir nesta proeza, agora unanimemente elogiada, embora Gwynne Shotwell, presidente e diretora de operações da empresa, tenha ficado sem palavras, tal era a emoção (“não sei o que dizer”, literalmente).
Já Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, realça a “conquista da tecnologia em prol da sustentabilidade do Espaço”. A Europa tem ainda muito que aprender com os EUA, nesta matéria.
Note-se que a intenção de Musk é a de transformar a Starship no primeiro serviço privado a chegar à Lua e a Marte e a estabelecer presenças e colónias permanentes nesses planetas. Até ver, os marcos históricos só foram atingidos sem tripulação no interior da nave.
Mas vamos por partes, porque recordes não faltam nesta história, que parece saída de um filme de ficção científica do século passado. Para começar, a nave que descolou da base de Boca Chica, no Texas, às 7h25 locais, tem uma dimensão total nunca vista. Mede 120 metros de comprimento e o seu booster, situado na base, chamado de Super Heavy, com 33 motores, estende-se por 70 metros. Pesam, ambos, cinco mil toneladas. A sua capacidade é 700 vezes superior à de um airbus.
Mesmo assim, conseguiu-se o que parecia impossível – apanhar o propulsor, que iniciou o seu retorno no momento em que passou a barreira atmosférica, à primeira tentativa, com a ajuda dos braços mecânicos da torre de lançamento Mechazilla, de 140 metros, sem danos de maior.
Um marco na precisão
A recuperação do booster já é uma rotina, pois estamos a falar de uma das peças mais caras do foguetão, mas nunca com uma reentrada na torre de lançamento, verticalmente, tal como saiu. Ao não ser destruído no retorno, o propulsor pode ser reutilizado, baixando drasticamente os custos da operação. “Trata-se de um marco da precisão da navegação, pois aquilo é uma bomba em movimento e tudo concorria para a falha”, nota Ricardo Conde, com uma carreira dedicada ao setor espacial industrial e institucional.
E também foi cumprido, com sucesso, o outro objetivo de fazer a nave aterrar no oceano Índico controladamente, antes de explodir, graças a um escudo térmico melhorado que minimizou os impactos da reentrada atmosférica. Tudo através do sistema de comunicação Starlink que, pela primeira vez, logrou manter a comunicação com o módulo orbital durante a reentrada.
Se a SpaceX conseguiu fazer aterrar o Super Heavy, à experiência adquirida com o Falcon 9 se deve, embora a Starship quadruplique para já a capacidade de carga da sua antecessora. Voltará ainda a duplicá-la quando a futura versão Starship 3 estiver concluída. Que significado poderá retirar-se destes avanços, perguntarão os mais leigos? Serão permitidos muitos mais satélites Starlink por lançamento, algo que a SpaceX deseja aproveitar para conseguir oferecer 1 Gbps (gigabites por segundo) em todo o mundo, uma velocidade só comparável às conexões de fibra ótica.
No entanto, levantam-se algumas dúvidas em relação à ideia de Musk de querer que, num futuro próximo, a Starship e outras naves do género funcionem quase como aviões, que podem levantar voo pouco depois de aterrarem.
Ricardo Conde questiona, por exemplo, o estado em que terá ficado o booster depois de toda a vibração por que passou. “Será que é mesmo reutilizável? Não me parece que, a seguir àquela aterragem, o propulsor estivesse pronto para ser atestado com combustível e voltar a ser lançado para ao Espaço, com outra nave em cima.”
Viagens à Lua e a Marte
No que toca às idas à Lua e a Marte, o presidente da Agência Espacial Portuguesa só vislumbra essas facilidades a nível robótico e especialmente aproveitando-se a forma de levantar, aterrar e manobrar o veículo em meios mais agrestes.
Mas o certo é que a NASA pretende usar a Starship como parte do programa Artemis, que pretende estabelecer uma presença humana na Lua, a longo prazo.
Num futuro mais distante ainda, Musk quer que esta nave faça viagens de longo curso a Marte – algo que deverá demorar cerca de nove meses. “Podemos esperar ter duas ou três pessoas por cabina, o que significa cerca de 100 passageiros por voo a Marte”, especificou Musk.
Pensamentos menos delirantes e mais práticos concebem que esta nave possa ser utilizada, com frequência, para lançamento de telescópios de grandes dimensões, com o The Hubble, do tamanho de um autocarro, ou o James Webb, que é três vezes maior. E também pode vir a servir de transporte de material pesado para construir estações espaciais e, eventualmente, infraestruturas destinadas à presença humana na Lua. Sem deixar rasto no céu.
Outros marcos, mais terrenos
Além do lançamento bem-sucedido da Starship, Elon Musk mostrou outras habilidades futuristas
O magnata chegou à apresentação no parque de cinema da Warner Brothers, em Burbank, Califórnia, a bordo de um táxi autónomo, um carro cinzento mate, que se assemelhava a um Cybertruck, mas com arestas mais arredondadas, sem condutor, sem volante e sem pedais, e com portas que se abriam para cima. O preço estimado para este novo meio de transporte da Tesla, o cybercab ou robotáxi, situa-se nos 30 mil dólares (27 500 euros). Estima-se que antes de 2027 estes modelos estejam disponíveis, mas já ninguém acredita muito nesta data, pois desde 2019 que o empresário faz promessas nesse sentido. Os obstáculos regulatórios e as questões de segurança têm sido o seu pior inimigo.
Além deste veículo do futuro, Elon Musk apresentou também uma versão de maior dimensão, a que chamou de Robovan, com capacidade para transportar até 20 pessoas, com as mesmas características do táxi.
Houve ainda oportunidade para mostrar uma versão atualizada dos robôs Optimus, baseados na Inteligência Artificial, e que se destinam a substituir algumas tarefas humanas, a um preço que não deve ultrapassar os 30 mil dólares.
Apesar deste show off, as ações da Tesla caíram quase 9% na semana passada.