“Ela tem a amante do falecido marido em casa”. O resumo da história é feito por quem conhece o caso de trás para a frente. Patrícia Silveira poderia ser familiar de Serafina Fernandes, tal é a cumplicidade que o longo processo judicial criou entre ambas. Mas uma e outra são “apenas” advogada e cliente.
O caso arrasta-se há 17 anos em tribunal mas teremos de recuar ainda mais no tempo para chegarmos ao início da história.
1949. Do casamento de Serafina e José Abreu nasceram sete filhos. Na casa humilde que habitam na Segunda Lombada – é assim que se chama aquelo sítio numa das encostas da freguesia de Ponta Delgada, concelho de S. Vicente, a noroeste da ilha da Madeira – a vida tem o ritmo típico de um lugar tranquilo, plantado entre a serra e o mar. Mas os dias estão prestes a mudar perante a chegada de uma nova empregada agrícola a casa do casal Abreu.
Julieta vem para dar uma mão no que for preciso. Ajudar nas vinhas. Trabalhar no campo. Tratar da casa. Mas o destino há-de dar-lhe um papel radicalmente diferente.
“Ganha juízo! Olha que isso vai ser a nossa desgraça”, disse Serafina ao marido, José. E foi. Para Serafina tornou-se claro que a relação entre o marido e a empregada deixara de ser apenas profissional. “Ele dizia que se ela não viesse, ele também não queria ir trabalhar”.
Serafina acabou expulsa de casa pelo próprio marido. A partir desse dia, viu o seu lugar tomado por outra mulher. Nunca mais quis voltar. José passou a viver maritalmente com Julieta. Nunca se chegou a divorciar oficialmente de Serafina.
17 anos depois, a morte de José Abreu deu início ao processo de partilhas e a uma penosa disputa judicial que dura até hoje. Como Serafina se tinha mantido na situação de casada com José Abreu (em regime de comunhão geral de bens) teve direito a herdar metade da herança (23.500 euros). A outra metade foi a dividir por 9 pessoas: Serafina, os seus 7 filhos e os restantes 1/9 destinaram-se ao filho que tinha nascido da união de facto entre Julieta e José Abreu.
Nestas partilhas, a casa ficou para Serafina e seus filhos. Já Julieta, que vivera maritalmente com José Abreu, recebeu apenas uma ordem de despejo. Que nunca viria a cumprir.
Adquirir imóvel por usucapião?
“Eu não saio daqui senão morta!”. Julieta está há 34 anos na casa da antiga patroa. O longo período de permanência na habitação é o trunfo usado pelo advogado da antiga empregada para reclamar justiça. Considera que o tempo deu a Julieta direitos sobre a habitação – seja por via de usucapião (isto é, a utilização contínua durante um longo período de tempo sem oposição do proprietário) ou simplesmente por razões humanitárias. Mesmo que Julieta não esteja abrangida pelos efeitos jurídicos das partilhas. A advogada de Serafina opõe-se: “Toda a gente sabe que as uniões de facto não dão direitos sucessórios!”. Serafina acrescenta: “Eu continuo a pagar o IMI da casa”. E desabafa, descrente de que o assunto se resolve a tempo: “Tenho 85 anos e gostava de lá morrer. A Madeira é a minha terra..”
Assim, entre o que diz a lei e o que acontece na prática formam-se vazios jurídicos que alimentam indefinidamente casos como este, seguido de perto no segundo episódio do novo programa semanal de Sofia Pinto Coelho “Vidas Suspensas”.
No ar segunda-feira, 3 de abril na SIC depois do “Jornal da Noite” seguido de um debate em direto na sic.pt
“Vidas Suspensas” é um programa de informação, da SIC, da autoria da jornalista Sofia Pinto Coelho, que aborda casos de pessoas que, por questões relacionadas com a justiça, se encontram com a vida em suspenso. Este programa semanal de 8 episódios, estreia 2ª feira, 27 de Março de 2017, na SIC, logo a seguir ao Jornal da Noite, seguido de um debate em direto na sic.pt