A equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira já conseguiu fechar algumas linhas da acusação como a parte que diz respeito a como José Sócrates utilizava desregradamente o dinheiro que estava nas contas de Carlos Santos Silva. Aqui se incluem as viagens, o apartamento de Paris, as entregas em numerário, os pagamentos ao alegado ghostwriter Domingos Farinho e os pagamentos ao blogger António Mega Peixoto, autor de textos favoráveis ao Governo de Sócrates no blog Câmara Corporativa.
O capítulo referente ao empreendimento de luxo de Vale do Lobo também já está praticamente encerrado, faltando apenas ouvir alguns dos arguidos que esta semana vão voltar a ser interrogados. Diogo Gaspar Ferreira, CEO do resort algarvio, será ouvido esta quarta-feira sobre novos indícios recolhidos pela investigação, como uma transferência de 200 mil euros para Rui Horta e Costa, um dos acionistas do empreendimento.
Mesmo com parte da acusação já praticamente finalizada, fontes da investigação dizem ser muito difícil concluir o despacho de encerramento de inquérito até sexta-feira, a data imposta pela Procuradoria-Geral da República. Apesar de a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e de o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, continuarem a defender que este prazo deve ser cumprido, a equipa de investigação conjunta de oito procuradores do Ministério Público e de inspetores da Autoridade Tributária não acredita na hipótese de deduzir uma acusação consistente, dado faltarem ainda alguns elementos. Faltam, por exemplo, informações sobre outras contas na Suíça, que se supõem ser de Henrique Granadeiro, ex-administrador da PT, e o cumprimento, por parte da Procuradoria-Geral de Angola, do pedido para constituir arguido José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates e um dos intermediários do dinheiro que o Ministério Público diz ser do ex-primeiro-ministro.
Nesta fase, dificilmente serão constituídos novos arguidos, mas as respostas às cartas rogatórias podem trazer surpresas e obrigar a novas diligências.
Interrogatório tenso
Esta segunda-feira foi a vez de José Sócrates ser ouvido pela terceira vez no DCIAP, num interrogatório que durou, pelo menos, cinco horas. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu, por exemplo, no último interrogatório de Ricardo Salgado (em janeiro), o procurador Rosário Teixeira não chegou a ler as imputações ao ex-primeiro-ministro. Limitou-se a entregá-las em papel, já que teriam o triplo do tamanho das do banqueiro. No despacho de indiciação apresentado a Sócrates constavam os dados novos recolhidos pela investigação, mas também os antigos, com que o ex-governante já tinha sido confrontado nos outros dois interrogatórios.
Ao que a VISÃO averiguou, terá sido um interrogatório tenso, em que José Sócrates terá continuado a negar ser o verdadeiro dono do dinheiro depositado em contas suíças do empresário Carlos Santos Silva, ter recebido qualquer contrapartida do grupo Espírito Santo por influência política nos negócios da PT ou em quaisquer outros. Nas declarações iniciais, que anteciparam o interrogatório, foi mesmo José Sócrates quem fez questão de recordar alguns dos pontos levantados pela investigação no início do processo, como a história da compra dos direitos televisivos da Liga espanhola por Rui Pedro Soares, antigo homem de Sócrates na Portugal Telecom. É muito provável que venha a ser extraída da Operação Marquês uma certidão para continuar a investigar este negócio (num outro processo). Essa estratégia poderá também vir a ser usada com outros conteúdos do processo.
Para já, o que é certo é que o Ministério Público vai mesmo justificar os milhões que suspeita serem de Sócrates em três frentes: PT, Vale do Lobo e Grupo Lena. Resta saber quando. Só nos próximos dias toda a equipa de acusação se irá reunir para tomar as últimas decisões.
* com Miguel Rebocho Pais