Há dois anos, a mega-investigação brasileira Lava Jato e a operação que em Portugal investiga o ex-primeiro-ministro José Sócrates (Operação Marquês) cruzaram-se. No Brasil, funcionários da Odebrecht começavam a denunciar pagamentos de luvas em troca de obras conseguidas pela construtora no Brasil e noutros países do mundo. Em Portugal, a investigação liderada pelo procurador Rosário Teixeira começava a investigar as ligações de José Sócrates à Odebrecht, a empresa que convidara Lula da Silva a vir a Portugal em Outubro de 2013, altura em que o ex-presidente do Brasil aproveitou para apresentar o livro de José Sócrates que seria um sucesso de vendas (milhares de exemplares de “A confiança no mundo – sobre a tortura em democracia”, diz o Ministério Público, terão sido pagos com dinheiro de Carlos Santos Silva).
É que, descobriu o Ministério Público, as ligações da Odebrecht a Portugal não se encerravam nessa viagem paga a Lula da Silva. Os brasileiros da Odebrecht eram proprietários há 26 anos da Bento Pedroso Construções, que integrou diversos consórcios que ganharam obras públicas quando Sócrates era primeiro-ministro. Integrou, tal como o grupo Lena, o consórcio Elos, que venceu o concurso para a construção do comboio de alta velocidade (TGV) entre Poceirão e Caia (projeto que viria a ser abandonado pelo governo de Pedro Passos Coelho). Integrou, também com o grupo Lena, o consórcio que viria a ganhar uma das oito parcerias público-privadas rodoviárias lançadas por Sócrates: a concessão do Baixo Tejo, na zona metropolitana de Lisboa, avaliada em 110 milhões de euros. E integrou o agrupamento liderado pela Mota-Engil, e em que também entrava o Banco Espírito Santo (BES), que ganharia a concessão da via rodoviária da Grande Lisboa, avaliada em 292 milhões de euros.
Em 2008, a Bento Pedroso Construções (que em 2013 passaria a chamar-se Odebrecht Portugal) e o grupo Lena voltaram a juntar-se num consórcio. Mas desta vez o negócio nada tinha a ver com estradas, mas com barragens. As duas empresas assinavam em Bragança um contrato de 257 milhões de euros: juntas iriam construir a barragem do Baixo Sabor. José Sócrates, grande responsável pelo Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico, aprovado em 2007, não faltou à cerimónia. Uma reportagem feita pela VISÃO em 2014 iria retratar como mais de 300 mil árvores, inseridas então numa Zona de Proteção Especial, tinham sido abatidas para construir uma albufeira com apenas 170 megawatts mas que seria descrita como “o grande armazém de energia do Rio Douro”.
Em Abril de 2016, o jornal brasileiro “O Globo” revelava em reportagem novas descobertas da Operação Lava Jato. Maria Lúcia Tavares, funcionária da Odebrecht que seria responsável por centralizar o pagamento de subornos em reais, contou aos investigadores brasileiros que a chamada “Conta Paulistinha” teria feito pagamentos relacionados com dois negócios fora do Brasil: a barragem do Baixo Sabor, em Portugal, e uma outra obra no Peru, país onde decorre a “Operação Lava Dólar” que investiga negócios intermediados por José Dirceu, o ex-ministro brasileiro que também está debaixo de suspeita na Operação Marquês devido aos negócios entre a PT e a OI.
No caso da Barragem do Baixo Sabor, a funcionária da Odebrecht relatou seis movimentos bancários na “Conta Paulistinha” entre 25 de Março e 9 de Abril de 2015 de cerca de 1 milhão de euros (3 milhões de reais). Na sequência dessa notícia, a defesa de Sócrates atribuiu totais responsabilidades na decisão da adjudicação e construção dessa barragem (entretanto já construída) à EDP, dirigida por António Mexia.
As novidades da operação Lava Jato foram o gatilho que faltava para o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA) decidir apresentar esta quinta-feira na Procuradoria-Geral da República (PGR) uma queixa-crime por suspeitas de corrupção e tráfico de influência no âmbito do programa nacional de barragens com material recolhido nos últimos anos. Em comunicado enviado às redações, a GEOTA diz que a denúncia pede para que sejam seriamente investigadas “decisões tomadas pelos responsáveis políticos e técnicos” envolvidos na construção destas barragens, “lesivas do interesse público” e “frequentemente baseadas em informação falsa”: “A mera incompetência ou voluntarismo político não chegam para explicar. Há responsáveis, há papéis assinados”, alega a associação ambientalista.