“Onde está o pilriteiro?”, questiona um dos 12 caminhantes que passaram uma manhã de domingo a desbravar plantas espontâneas e comestíveis no monte da Ervilha, um oásis, desconhecido por muitos, de biodiversidade de espécies autóctones, perto da Foz, no Porto.
“É esta!”, aponta-lhes Fernanda Botelho, 63 anos, autora de vários livros relacionados com plantas e respetivas utilizações medicinais (ver caixa). “Ah!”, solta o grupo com espanto, depois de atravessar uma mata com várias plantas e árvores, cheirando e provando as que se podem ou, melhor, as que a herbalista dá a provar.
“O pilriteiro é dos arbustos mais medicinais que existem. O nome botânico é Crataegus monogyna e também se chama espinheiro-alvar. É a grande árvore do coração, a planta mais estudada para tratar tudo o que tenha que ver com problemas cardíacos. Para fins medicinais, usam-se a flor, a folha e o frutinho, uma minibolinha vermelha que se pode comer”, explica a especialista, que leva na mão um cesto, que vai enchendo com alguns galhos.
É mais uma caminhada organizada por A Recoletora, projeto criado, em 2021, pela designer Maria Ruivo, 36 anos, e pelo fotógrafo e videógrafo Alexandre Delmar, 41 anos, vencedor de uma bolsa na Porto Design Biennale, e ao qual se juntou a herbalista Fernanda Botelho.
A ideia do casal de recoletores despontou durante a pandemia, numa altura em que eles viam a vegetação a brotar por todo o lado. “Nasceu da vontade de desconstruir a má reputação das plantas designadas por daninhas. Temos de pensar em formas de alimentação mais próximas de nós, e há uma solução que sempre esteve aqui. Não é a comida do futuro, é a comida do passado”, diz Maria Ruivo.
O projeto de investigação começou por identificar a vegetação espontânea, em alguns locais do Porto e de Matosinhos, e já se estendeu às ervas de beira-mar e de rio, em Esposende, onde vive o casal de criativos. Até agora, foi possível mapear mais de uma centena de espécies – só ali, no monte da Ervilha, encontraram 40 comestíveis, outras no ramal da Alfândega ou junto à capela da Boa Nova, em Leça da Palmeira.
“Plantas não são lixo, são nossas aliadas, até lhes chamam invasoras, o que é um termo ridículo. Se alguém é invasor, aqui, esse alguém somos nós”, alerta Fernanda Botelho, sentada debaixo de um frondoso carvalho-alvarinho.
“Este é meu”, grita Álvaro, o mais novo dos caminhantes, com 6 anos, empoleirado nos troncos desta árvore, cujo fruto haveremos de provar, no final do passeio, numa infusão de chá. Desta vez, a caminhada centra-se nas árvores. As anteriores (18 só neste sítio) foram dedicadas a olhar para o chão, a aprender e a provar ervas silvestres, como a morugem, que sabe a beterraba. A cada um dos participantes é entregue um caderno de campo, para que, pelo caminho, construa um herbário daquilo que encontra e aprende – e que é muito!
Pesto com folhas de capuchinha
Durante mais de três horas (que passam a voar, diga-se), observam-se pinheiros-bravos, sabugueiros, cuja flor “é muito usada para tratar rinites, alergias ou a febre dos fenos”, fetos que sabem a amêndoa-amarga, alho-bravo, cujas florzinhas brancas nascem espontaneamente. “Na Natureza, tudo o que cheira a alho pode comer-se”, alerta Fernanda Botelho, enquanto abre caminho. “Olhem aqui uma coisa muito fotogénica e que aparece por todo o lado: a capuchinha. Experimentem fazer um pesto com estas folhas ou um wrap”, sugere, apontando para a planta de folhas grandes e redondas.
No monte da Ervilha, entre bosque, mata e lameiros, há funcho, urtigas, figueiras, loureiros, tojos (“leguminosas da família dos feijões”) ou agarra-saias, com a qual a herbalista faz uma coroa para o chapéu. “Estas são ilhas de biodiversidade, que temos de preservar a todo o custo”, reforça, no final, enquanto o grupo bebe a tal infusão acastanhada de bolota.
Em breve, A Recoletora há de juntar às caminhadas (€17, adulto) um workshop de cozinha – porque estas plantas bravias comem-se!
4 perguntas a… Fernanda Botelho
1. Nota que o interesse pelo conhecimento das plantas tem crescido?
Faço estes passeios há uns 15 anos e tem havido um acréscimo de pessoas, de chefes de cozinha interessados nos usos comestíveis das plantas e nos seus usos medicinais. Servem muito para acordar memórias, as pessoas de repente vêm e plantam, cheiram, provam, lembram-se de coisas que a mãe ou a avó já faziam.
2. Costuma dizer que há uma cegueira verde. Porquê?
As pessoas olham para o verde e não conseguem desconstruí-lo. O verde de um pinheiro é diferente do de um carvalho, de uma araucária ou de um prado. Para a maioria das pessoas, é tudo verde, mas há cada vez mais interessados em descodificar esse verde: saber o nome, se se pode usar, se tem importância para os insetos, para os solos, para os ecossistemas…
3. Há plantas que temos vindo a perder em Portugal?
Há umas que já perdemos, outras que provavelmente vão desaparecer, e um dos culpados é o tipo de agricultura que continuamos a apoiar. Se somos um dos países mais pequenos da Europa, porque temos a pretensão de ser os maiores produtores seja do que for? Não dá. Temos de voltar a uma agricultura de pequena escala.
4. Daí que este projeto d’A Recoletora seja fundamental?
É importante chamar a atenção para as ervas que pisamos, e estão por todo o lado. E, sobretudo na cidade, chamar a atenção para estes baldios que temos de preservar a todo o custo.