“Como é que se pode não ser pássaro e ser alguma coisa.” A frase serve de título a 92 pássaros desenhados a pastel de óleo sobre papel chinês pela minha irmã Bárbara Assis Pacheco, com direito a uma explicação no seu site: “ataraxia/ fazer das tripas coração/ e todas as manhãs volto a acordar”. Um dia destes, subi aos terraços do Mosteiro de São Vicente de Fora, a caminho do Campo de Santa Clara, e lembrei-me dela.
Quando a li pela primeira vez, inventei-lhe um ponto de interrogação. Depois, fui recordar que a ataraxia é a busca do equilíbrio emocional, mediante a diminuição da intensidade das paixões e dos desejos, e percebi que o segredo está em aceitar. Sim, subir a um ponto alto só para olhar lá de cima a cidade que amamos dá uma enorme vontade de ser pássaro. Mas a contemplação pode ajudar–nos a atingir a ausência de inquietação prometida pela definição filosófica.
O Mosteiro de São Vicente de Fora foi mandado erguer por Filipe II, simbolicamente no mesmo local onde D. Afonso Henriques fundara um outro mosteiro, em agradecimento pela conquista de Lisboa aos muçulmanos. Veja-se a sua cisterna seiscentista, as fábulas de La Fontaine em painéis de azulejos e a sacristia forrada a mármore de várias cores, antes de galgar as escadas e sentir que vale a pena viver mesmo sem asas.