COM A BOCA A ARDER
A verdadeira Conga está com um papel à porta a dizer “Fechado para férias”. Entramos na porta ao lado, a Conga 2. O dono é o mesmo, as bifanas também, o espaço é que não. Este é mais moderno, menos tasco, foi construído dez anos depois do primeiro para ser pastelaria, mas nunca teve um doce… Ao meio-dia de um feriado, ali junto à Câmara, o Porto parece fantasma, mas na Conga já há clientes ao balcão.
Ainda com o pequeno-almoço no estômago, pedimos uma bifana e uma cerveja: uma trinca na primeira e logo um gole demorado na segunda, que a receita é picante e puxa à bebida. O balcão já está pegajoso, já há guardanapos pelo chão. Perguntamos a Sérgio Oliveira (filho do proprietário), 37 anos, o segredo da receita. Ele responde que está à vista: “É a rotatividade dos clientes, que faz com que as bifanas estejam sempre quentes.” De resto, boa carne, piri-piri, colorau, cerveja, banha e mais Sérgio não diz que o segredo, já se sabe, é a alma do negócio.
Se está a pensar numa febra num pão, esqueça! Servidas em bijou, estas bifanas têm carne de porco cortada fininha, um molho (e cheirinho) viciante, que faz com que ninguém coma uma só. “A média são três”, revela Sérgio e, contas por baixo, vendem-se 500 por dia.
A receita foi inventada pelos pais há 34 anos: “Vieram de Angola com uma mão à frente e outra atrás, começaram a fazer experiências, inventaram esta receita e três meses depois tinham as dívidas que contraíram para montar o estabelecimento pagas”, conta o filho. Com a abertura da Conga 2, as filas à porta deixaram de ser tão comuns como antigamente, mas ainda acontecem.
Jorge Almeida, 32 anos, já vai na quarta bifana. É de Portimão, mas sempre que vem ao Porto passa aqui: “No Algarve faz-se muita coisa boa, mas bifanas como estas não.” Na Conga, também há papas, e o molho das bifanas dá tempero especial a caldo verde, cachorro e codornizes.
>> CONGA 1 E 2
R. do Bonjardim, 314 -318. T. 22 200 0113 Seg-Sáb 9h-21h Bifana €1,80
“QUEM NÃO FALA É MOCHO”
Dizem os antigos que a sardinha é boa nos meses que não têm R.” Ora estamos em Junho e por isso é sardinha que está a comer o motorista da STCP que nos recorda o ditado. Armando Silva, 52 anos, come de barriga encostada ao balcão e o saco que tem a tiracolo não parece perturbar em nada o prazer que tira do peixe assado com batata cozida, cebola e azeitona. Os pimentos dispensou porque não gosta. “Só como sardinha aqui e em casa”, diz-nos. Se em vez de ao almoço, calha de passar nesta adega encostada à Estação de São Bento ao lanche, então pede panados de sardinha.
À falta da assada, porque chegamos tarde de mais, é isso mesmo que pedimos. E que petisco! A sardinha aberta sem espinha e panada, como se fosse carne, no meio do pão. Entre dentadas, duas de conversa com os funcionários e os clientes que ali tudo fala, “Quem não disser nada é porque é mocho”, atira logo Natáia Ribeiro, “criada na rua escura”, a beber uma Super-Bock na outra ponta do balcão. O rádio está na Festival, “para ouvir os fados na hora do meio-dia”, apressa-se a esclarecer o comensal do lado de palito na mão, Fernando Barbosa, 56 anos, trabalhador dos CTT.
É cliente há tanto tempo que ainda se lembra de ver descarregar as pipas do vinho verde de camionetas Bedford, de haver recobeiras e vendedoras à porta. “Agora de pipa só temos o maduro branco” diz Manuel Taveira, um dos sócios que desde 1986 está à frente da Adega.
Há dezenas de cabaças penduradas no tecto, os calendários da praxe e a parede de granito está cheia de pares de cornos. “O Clube dos Cabrões foi fundado aqui por clientes da casa, que se chamavam cabrões uns aos outros”, explica Manuel. São só homens. Atrás do balcão está um deles, José Mota, que garante: “Só pelo convívio vale a pena ser cabrão, fazemos encontros pelo País todo.” Mas não só pelos cabrões e pela sardinha (chega fresquinha da Afurada) é conhecida a casa. As tripas, o fígado (que às vezes está em promoção) e o arroz de bacalhau também têm fama.
>> ADEGA DO QUIM
R. Madeira, 226. T. 22 200 5348 Dom-Sex 6h-21h Sardinha assada €2,50 Sardinha panada €0,60
ESPREITAR O TACHO
Fica perto do Tribunal. Passamos a porta de correr com o vidro fosco e logo pensamos que sítios como este já não há muitos: a pequena montra ocupada com pratos de fruta; o correr de vasos no chão, à entrada; as toalhas aos quadradinhos; o balcão com o vaso de flores naturais. Atrás dele, um senhor de óculos com delicadezas de outro tempo logo sai para nos receber.
Vimos pelas tripas, dizemos. Teremos de voltar no dia seguinte: “Tripas só à quinta”, explica. Mas convida-nos a sentar e ali ficamos a conversar com o som da televisão que vem do alto a sobrepor-se ao assobiar contínuo da panela de pressão na cozinha, que vemos ao fundo. José Correia, 75 anos, começa então pausada e modestamente: “A mulher tem mão para isto e põe as melhores carnes.
Vêm de todo o lado aqui comer as tripinhas, alguma coisa elas têm.” Filomena Conceição chega de avental posto e logo o marido lhe dá a vez na mesa. “Ui, como eu faço as tripas dá muito trabalho! À terça já começamos a picar a cebola e o alho e a cortar a cenoura, à quarta é comprá-las, lavá-las e cozê-las. Na quinta parti-las e botar para a panela.” Filomena é uma mulher avantajada, cozinheira de mão-cheia, faces rosadas, sorriso verdadeiro. Quem a ensinou a fazer as tripas? “Tirei a receita da minha cabeça há 43 anos”, o tempo a que está casada. À quinta, há sempre gente à espera ao balcão. Ela faz tripas de modo a que não faltem. Os clientes são tratados como família. Alguns, aproveitam a passagem obrigatória pela cozinha para chegar à casa de banho e vão cheirar a panela. Muitos são clientes de há anos: “Abraçam-me, beijam-me. Tenho sorte de não ter marido ciumento se não estava sempre a levar porrada”, ri-se.
Voltamos então no dia seguinte. Com o avental, agora também de touquinha, lá anda Filomena de mesa em mesa a saber se tudo está bem, se nada falta, a rabujar com o marido se o vinho ainda não está na mesa. Antes das tripas, vem uma travessa branca de risca azul com moura, bacon, salpicão fino e mão de vaca.
O vinho tinto já está nos copos. Filipe Teixeira, 44 anos, é cliente da casa há mais de 20: “São as melhores do país. Há tripas em muitos sítios, mas em termos de sabor e qualidade estas são inconfundíveis. E não se fica enfartado.” Quanto às nossas, rapamos o prato.
>> CASA CORREIA
R. Dr. Barbosa de Castro, 74. T. 22 205 6651 Seg-Sáb 12h-20h30, Dom 12h-14h30 Dose de tripas (2/3 pax) €12
PANO AO OMBRO
Passa das sete da tarde. Não pára de entrar gente neste café mesmo em frente à Campanhã. Estamos numa mesa com tampo a imitar mármore, a única que existe neste rectângulo, que o balcão divide em dois. O caldo verde com que nos deliciamos em tigela de barro, acompanhado por broa de Avintes é, tal como as bifanas, feito na montra. E há um segredo para a couve estar verde e fresca a qualquer hora do dia, que lhe vale a fama. Albino Rocha é o cozinheiro que, antes da ASAE, era famoso por nunca tirar o pano do ombro (agora trá-lo à cintura). Há 30 anos, desde que abriu a cervejaria, cozinha o caldo da mesma forma: “Com batata, faço a calda que fica na panela sempre com quentura por baixo. Depois a couve é bem cortadinha (vem uma senhora trazê-la do Bolhão) e pré-cozida”. Quando o cliente pede, Albino -ou o irmão Armando que com ele trabalha -põe a couve e o chouriço de colorau na tigela e só então o caldo por cima. “Há quem bote a tigela à boca e quem deite vinho tinto para acompanhar o restinho do caldo”, conta Fátima Dias enquanto ajeita a louça.
>> O ASTRO
R. da Estação, 16-18. T. 22 536 0066 Seg-Sex 11h-24h, Dom 15h-24h Caldo Verde €1