“O nosso planeta”, “a nossa casa”, ” a nossa herança”. É assim que muitas vezes nos referimos ao planeta Terra e a tudo o que nele existe. E é nessa base que operamos. O planeta é nosso, somos a espécie dominante, e permitimo-nos ser mais ou menos magnânimos com os restantes seres, dependendo do que consideramos ser a sua utilidade para o ser humano.
O espetro das ideologias ambientais pode ir, de acordo com uma(1) das muitas divisões feitas ao mesmo, desde o instrumentalismo desenfreado, no limite extremo do antropocentrismo e em que o mundo natural e os seus recursos existem unicamente para uso humano, e que não necessita de ser limitado de forma alguma; até às ideologias transformistas, que tentam levar a perspetiva ecologista para o ecocentrismo, onde o ser humano é apenas mais um dos muitos com direitos à vida no planeta. Pelo caminho ficam o conservacionismo e o preservacionismo, dois nomes que nos habituámos a ouvir, muitas vezes da boca daqueles que tentam proteger a natureza, ou “preservá-la”.
Mas antes que o leitor se canse de tantos “ismos” e tantas definições, talvez seja simpático desvendar por que razão os trouxe para este texto. Quando falamos em conservação da natureza, preservação do ambiente, o que defendemos é a garantia de que o planeta mantém um nível de recursos naturais que permita a nossa sobrevivência como espécie, ou mesmo o nosso bem-estar. É importante que continuemos a ter água potável, um ecossistema equilibrado que não dê origem a pragas, recursos suficientes para garantir a nossa alimentação (ou pelo menos a alimentação dos países mais ricos), jardins para passearmos os nossos filhos, e algumas espécies emblemáticas que possamos continuar a ver em documentários.
Mesmo nos dias de hoje, em que nos consideramos uma sociedade a caminho de um estado ecologicamente mais informado, a nossa abordagem da natureza continua a ser meramente utilitarista. Biólogos e outros defensores do mundo natural utilizam, eles próprios, cada vez mais estratégias baseadas na quantificação económica da perda de biodiversidade, dado que nada mais parece funcionar. Resumindo, tentam provar que nos fica cara a extinção das espécies. Uma vez mais, caro ao ser humano. Fala-se de conservar, preservar, mas com o intuito de manter disponível ao ser humano, não por considerarmos que os restantes seres que habitam o planeta Terra têm tanto direito ao mesmo como nós.
Mesmo a igreja evoluiu apenas no sentido de reconhecer a necessidade do ser humano viver em comunhão com Deus e com todas as criaturas da Terra, mas não abdicando de considerar o Homem como o administrador desses mesmos seres, dado saber como geri-los em função das suas necessidades.
Historicamente, quer políticos quer religiosos afastaram esta ideia de igualdade de direitos. Só a simples menção por parte de alguém era prontamente catalogada como extremismo ou mesmo pecado. Mesmo o cidadão comum não conseguirá deixar de se rir, ou revoltar, perante a simples ideia de se considerar que uma ave, réptil ou mamífero tem o mesmo direito à sobrevivência no planeta que o ser humano.
Temo que nos habituemos a manter a fasquia ideológica demasiado baixa. Temo que nos habituemos a pensar na proteção da natureza e das espécies apenas com o objetivo utilitarista, quer como recursos quer como decoração. Temo que, como espécie, não tenhamos a ambição de dar mais um importante salto evolutivo, talvez o mais importante de todos, que evite destruirmos aquilo que pensamos ser só nosso.
“There is no ‘democracy’ of all creatures; a single human soul is worth more than the entire material creation. Just as man is here to serve God, so nature is here to serve man.”
R.V. Young, Jr.
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(1)Corbett, J.B. (2006). Communicating nature: how we create and understand environmental messages. Island Press. Washington DC.