De tempos a tempos, somos tolhidos, na Europa, pela cobardia dos cínicos. Gente que prefere evitar grandes aborrecimentos, exigindo soluções rápidas a terceiros, desde que nunca se apliquem a ela. São as mesmas pessoas que discorrem sobre abandonos territoriais pela Ucrânia, em troca de paz podre com a Rússia, jurando que assim Putin travará outras ambições territoriais, vergando à letra de um qualquer acordo, como aquele que a Rússia assinou em Budapeste, em 1994, pelo qual respeitaria a soberania da Ucrânia independente em troca da sua desnuclearização. São as mesmas que assumiram ser a anexação da Crimeia um fim em si mesmo, pelo qual ninguém na Europa deveria mexer um dedo, afirmando então que Putin ficaria pela tomada de uma península que, bem vistas as coisas, já tinha sido russa. São as mesmas pessoas que acolhem acriticamente a ideia de um suposto espaço vital pós-soviético, divinamente concedido, ideologicamente inexpugnável, fingindo hipocritamente que os povos a leste não podem escolher livremente o destino nem têm direito a lutar por ele.
O que a capitulação ucraniana forçada de fora quer dizer é muito simples: as invasões compensam, as regras de convivência no sistema são violáveis, as independências pós-imperiais não têm existência política própria, as vidas civis não têm proteção, a aspiração maioritária de um povo não tem respaldo na comunidade que geograficamente o rodeia. Mas para que esta não mergulhe de vez numa anarquia, em que a tal nova ordem mundial assentará, os europeus que estão com a Ucrânia têm de ter consciência de algumas coisas.