Já se sabe como são as modas: quando pensamos que estamos lá, mesmo na crista da onda, descobrimos que, afinal, já passamos de moda.
Independentemente dessa sensação de ilusão, a verdade é que Lisboa está na moda. E bem na crista da onda. Percebemo-lo ao deambular pela cidade, em especial nas ruas e ruelas do centro histórico, onde nos habituamos a ouvir os mais diversos idiomas e a interiorizar, como nossas, palavras como tuk-tuk, sunset e tour. Percebemo-lo quando olhamos para as estatísticas: 4 milhões de turistas estrangeiros, no último ano, o que corresponde a quase 10 milhões de dormidas na hotelaria, sem contar com todos os que ficaram em alojamentos locais e em hostels e que ainda não entram nos números oficiais. Percebemo-lo quando vemos a quantidade de alunos estrangeiros nas universidades e que contribuem para um colorido diferente da noite de Lisboa: neste momento, são cerca de 15 mil, mais de 10% do total de estudantes universitários da capital. Percebemo-lo também ao ler o que escrevem e mostram os grandes jornais e revistas internacionais: a britânica Condé Nast Traveller titulou que Lisboa é, atualmente, a cidade mais “cool” do mundo.
Percebe-se o fascínio. Não há outra cidade que possa ser observada de tantos ângulos, a qualquer hora do dia e da noite, absolutamente de borla, graças aos seus miradouros estratégicos no cimo de cada colina. Por mais que se procure, também não se consegue reproduzir em mais nenhum lado a sua luz – habilmente manufaturada pela conjunção perfeita do sol, das águas do Tejo, da nortada e da pedra usada nos edifícios e calçadas. E depois, acima de tudo, há aquilo que tanta gente procura por esse mundo fora, mas que raramente encontra: autenticidade.
Não é balela nem elogio fácil. Autenticidade foi mesmo a palavra mais utilizada pelos turistas estrangeiros quando lhes perguntaram o que tinha Lisboa de diferente face a outras cidades e destinos, num estudo realizado pelo Observatório de Turismo da capital. Autenticidade – vale a pena repetir a palavra!- foi a característica encontrada em 58,2% das respostas desse inquérito, realizado junto de uma amostra de cerca de cinco mil turistas – e em que 63% deles consideraram que as suas expectativas iniciais tinham sido excedidas durante a visita à cidade. E foi também graças a essa mesma autenticidade que, no mesmo inquérito, 99,3% dos inquiridos consideraram “provável ou muito provável” regressarem a Lisboa. Porquê? Devido à sua diversidade (96,2%), a ser antiga e cheia de histórias (96,1%), transmitir sensações (94,7%) e ser agitada e animada (94,6%).
Percebe-se assim, sem ser preciso olhar para a conjuntura internacional, porque tem crescido tanto o turismo em Lisboa (de 7,9 milhões de dormidas em 2009, passou-se para mais de 12 milhões, em 2015, entre nacionais e estrangeiros), com os turistas a valorizarem ainda a “facilidade de comunicação com os locais”, a segurança, o clima, o tipo e qualidade de alojamento encontrado.
Mas atenção: este inquérito foi feito em 2014. De então para cá, a cidade tem mudado. E prepara-se para mudar ainda mais nos próximos tempos. Há dez anos, só alguns corajosos arriscavam abrir um hostel na Baixa, o Príncipe Real ainda era um negócio arriscado e a Rua Nova do Carvalho continuava sem ser pintada de cor de rosa. Agora, não há empresário hoteleiro ou fundo imobiliário que não procure um espaço nesses locais. Todos em busca da sua pepita na mina de ouro turístico recém-descoberta – mas também, diga-se, com um olho nos fundos europeus destinados à reabilitação urbana. Mas será que a mina vai chegar para todos? Apesar do aumento da ocupação, o preço médio por quarto disponível – o indicador mais importante da hotelaria – não tem subido assim tanto. E se a oferta aumentar, os preços até podem descer, reduzindo as margens de lucro.
É verdade, reconheça-se, que há dez anos havia também muito mais prédios abandonados e degradados. E que o turismo contribuiu para a recuperação de muitos edifícios. Mas não chega pintar paredes, restaurar tetos e erguer novos telhados – até porque o que não falta por essa Europa fora são cidades tão imaculadas quanto os cenários dos antigos filmes de Hollywood. É preciso renovar-lhe também a alma, promover o comércio local genuíno, preservar as tradições e os costumes mais enraizados, estimular a convivência intercultural e a criatividade. Não basta dar ao turista aquilo que se pensa que ele quer – o segredo, aliás, é exatamente oferecer-lhe aquilo que ele não estava à espera, aquilo que ele vai descobrir aqui e que, rapidamente, perceberá que não encontra em mais lado algum. É a isso que se chama autenticidade. Sem ela, a cidade deixará de ser “cool”. Será apenas mais uma como tantas outras. Convinha que ninguém se esquecesse disso.