Quase duas semanas depois do ataque terrorista do Hamas, Israel continua a bombardear a Faixa de Gaza, com uma invasão prevista para os próximos dias. O número de mortos acumula-se: pelo menos 1400 israelitas e mais de 3700 palestinianos. E é só o último capítulo de um conflito com várias décadas e muitos mais vítimas, que ameaça agora voltar a contagiar o resto da região.
“O Médio Oriente está à beira do abismo, e com um pé em direção a ele. Israel foi ferido de morte na sua soberania, na sua existência e na sua autoestima enquanto nação, e o Hamas abriu uma caixa de Pandora destrutiva, sabendo bem quando decidiu avançar que o caos se ia instalar. Esse foi o seu propósito”, diz Mafalda Anjos. “O conceito dos dois estados, judeus e árabes a conviverem pacificamente, foi sempre um mito. Basta olhar para o grande êxodo dos palestinos de 1948 para perceber que nunca acreditaram nesta convivência pacífica. A solução tem sido inviabilizada por Israel durante décadas e agora fatalmente condenada pelo Hamas”, acrescenta a diretora da VISÃO.
Para o jornalista Nuno Aguiar, os chamados “amigos de Israel” têm de fazer o que os amigos fazem: dizer a ver. “Há um imperativo moral para o fazer – não se poder cortar água, eletricidade e ajuda humanitária -, mas também um imperativo estratégico. Os Estados Unidos sabem como a sua reação ao 11 de Setembro foi nociva”, refere. “Qual será o objetivo de Israel? Vai ocupar Gaza? Quantos palestinianos terão de morrer? O que mudou no passado com um rácio de mortes de 20 para 1? O Hamas é uma ideia, não se vai destruir com bombas.”
A Europa deu uma resposta incoerente e precipitada ao conflito. Ironicamente, os Estados Unidos surgiram como uma voz mais moderada, ainda que colocando todo o seu peso por trás de Israel. “Os EUA, através do secretario de Estado Antony Blinken e, depois, de Joe Biden podem ter conseguido três objetivos – e os únicos possíveis, nesta fase do conflito: primeiro, desbloquear um mínimo de assistência humanitária a Gaza; segundo, moderar minimamente Israel, na sua retaliação (estamos para ver); terceiro, e esta foi a mensagem principal, muito enfatizada pelo presidente Biden, conter a escalada e impedir o envolvimento de atores terceiros, como os países vizinhos”, explica Filipe Luís.
Para o editor executivo da VISÃO, “esta não é uma guerra normal e não se sabe muito bem que “leis de guerra” se podem aplicar, embora eu pense que a Convenção de Genebra seja aplicável”. “É que não estamos em presença de dois exércitos regulares, ou de dois países. Dizer que existe uma guerra entre Israel e o Hamas é tecnicamente incorreto, porque o Hamas não é, nem um país, nem um exército regular. Não há dois contendores, perfeitamente identificáveis e olhos nos olhos, como na Ucrânia. Aqui, há um País de um lado e do outro um grupo de insurgentes que, sejamos claros, não hesita em misturar-se entre a população civil. Isto não tem solução e facilita a tragédia humanitária”, acrescenta.
Para lá de lamentar os mortos, pode ser altura para pensar numa solução de longo prazo que dificilmente passará pela repressão. “Qualquer vislumbre de perspetiva de solução terá sempre de passar pelo respeito dos palestinos e pelo reconhecimento do direito à auto-determinação deste povo”, diz Mafalda Anjos.
Pelo caminho, vários episódios – os 40 bebés decapitados e o hospital Al-Ahli – provaram a permeabilidade do jornalismo a notícias e narrativas falsas. “Estas guerras são diferentes e os jornalistas têm de se preparar melhor e responder de forma mais lenta aos desenvolvimentos”, aponta Nuno Aguiar, identificando uma violência cada vez maior no discurso público.
Além do drama humano vivido na região, os efeitos do conflito serão sentidos um pouco por todo o mundo. Também na Europa. “É verdade que o foco mediático está agora no Médio Oriente e não na Ucrânia e que a Ucrânia pode ser ligeiramente prejudicada, no que diz respeito ao apoio militar. Mas não muito prejudicada, visto que Israel tem um exército poderoso e não está a lutar contra um agressor mais poderoso, mas sim contra um grupo de terroristas”, antecipa Filipe Luís. “O que é irónico, no meio de tudo isto, é ver Vladimir Putin a oferecer-se como mediador do conflito e a indignar-se com as mortes de civis, que considera “inadmissíveis”. Se calhar, Putin deve querer candidatar-se ao Prémio Nobel da Paz… No meio da tragédia, parece haver lugar para o absurdo…”
O OLHO VIVO desta semana debateu ainda o Orçamento do Estado, a sua agressiva diminuição da dívida pública – e as consequências positivas e negativas dessa opção -, assim como os efeitos que já está a ter no discurso do PSD.
“O PSD tem um dilema ideológico existencial, porque está a ser espremido dos dois lados. Este orçamento é o pior pesadelo para o PSD, porque podia ter sido apresentado por ele. Isto reduz o partido a discutir a estética, ao nível dos pipis e dos betinhos. Arruma com a principal proposta do partido, que foi a redução da carga fiscal para a classe média, e foca-se nas contas certas e redução da dívida – um feito histórico, além de criar um fundo com o excedente para o pós-PRR. Tudo ideias que alinham com o que tem sido o posicionamento económico-finnaceiro social-democrata”, sublinha Mafalda Anjos.
Filipe Luís concorda: “António Costa e o PS roubaram o discurso ao PSD e à direita. E roubaram-no duplamente: quer na questão da narrativa sobre as contas certas, quer na narrativa da folga no IRS. A acusação de anos, do PSD, de que o PS conduzia o País à bancarrota está manifestamente desatualizada…”
Contudo, o editor executivo da VISÃO lembra que há outras bancarrotas: “a dos serviços púbicos, a do SNS a da Educação e a da Habitação, que, metaforicamente, estão em bancarrota”. “Mas a mensagem que o Governo queria passar, a das contas certas, passou-a – até porque o controlo do défice se tornou popular.”
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