Alguém disse recentemente, que mais do que à esquerda ou à direita, a política joga-se atualmente em duas outras frentes, a fechada e a aberta. A do medo e a da esperança. A do egoísmo e a da empatia. Ambas são válidas estratégias de sobrevivência. Quem já terá ouvido falar do dilema do prisioneiro recordará que uma das lições deste exercício mental é que uma estratégia egoísta tende a maximizar os resultados do indivíduo, e uma estratégia cooperativa a maximizar os resultados para todos, apesar do potencial custo para cada indivíduo. As escolhas de cada um, são, a cada momento, ancoradas nos nossos interesses, nas nossas emoções, mas também nos nossos valores e princípios: às vezes somos egoístas e tribais, às vezes acreditamos no poder da colaboração e da humanidade.
Há uma ganância extrema de vencer que move um certo tipo de homem (maioritariamente branco e muito comum nos Estados Unidos) que invariavelmente o torna egocêntrico, insensível, cruel e impiedoso. Este fenómeno é fielmente retratado no filme “There will be blood” de Paul Thomas Anderson, de 2007, em que um prospetor de petróleo, retratado magistralmente por Daniel Day-Lewis, não olha a meios para atingir os seus desígnios, passando a ferro e fogo por cima de família e valores morais.
Donald Trump é um destes homens (isto não se trata da minha opinião pessoal – os testemunhos, publicados em livro, do ex-cúmplice e ex-advogado pessoal Michael Cohen, e da sobrinha Mary Trump, entre outros, são inequívocos). Não é difícil de imaginar que uma pessoa assim, determinada a chegar ao topo da cadeia de poder a qualquer custo, exerça uma certa medida de fascínio e atraia seguidores que esperam poder beneficiar de forma colateral.
O que se vê nos comícios dele são elementos de uma fatia (significativa e crescente) da comunidade branca que vive à franja da sociedade, excluídos do acesso a oportunidades (de educação, de emprego, de mobilidade social), tratados como lixo do sistema, sobras da Indústria deslocada para o estrangeiro, desalojados e desempossados pelas crises financeiras recentes, alguns intoxicados, alguns agitados por teorias de conspirações patéticas, e alguns evangélicos do país profundo, que vêm em Trump a possível vinda do Messias (e cuja influência tem vindo a se espalhar para além do território Americano).
E há muito racista (pessoas brancas que vivem em medo profundo do dia da retribuição, em que as pessoas de cor se vão levantar e revoltar contra os séculos de exclusão e mau tratamento a que continuam a ser sujeitos todos os dias), alguns até endinheirados, que quer a todo o custo manter uma medida de controlo (dissuasão) sobre as comunidades não-brancas – a escravatura nos Estados Unidos parece uma ferida que nunca sarou e que tem estado a putrificar ao longo dos anos sem cura à vista.
Depois há os oportunistas, que vêm em Trump uma passagem para chegar ao poder e ao despotismo, estes são alguns membros do partido Republicano, desavergonhados, parasitas e lambe-botas sem princípios. A maior parte desta malta tem armas automáticas, ou acesso a armamento pesado, muitos pertencem a forças policiais ou paramilitares. Estou convencido que muitos deles estejam prontos para usar violência se as eleições não correrem de feição e Trump gritar “Ladrão!”.
Do outro lado está uma considerável fatia da população, que está mobilizada e saturada deste circo e quer ver este período da história Americana passado e enterrado; Que quer pôr um fim à brutalidade policial contra cidadãos não-brancos; Que quer um fim da corrupção e achincalhamento da lei e da constituição; Que teme o declínio para o fascismo, e que já mostrou também prontidão para motim e tumulto e protesto não pacífico – se necessário – e que, a esta altura, não deverá aceitar outro resultado que não seja a derrota inequívoca e esperada de Trump.
A divisão entre estes dois lados está tão esticada e tensa – e tão exortada pelo próprio Trump – que o potencial para a violência desgovernada e catastrófica, neste momento, parece tremendo. Parece-me que nem o facto de Biden/Harris se posicionarem como candidatos da união e da reconciliação, seja suficiente, caso vençam, para evitar conflito. Apesar da democracia Americana ter dado algumas provas de resiliência no passado, incluindo uma guerra civil, assassinatos de presidentes, e outros fenómenos, acho que seria de esperar e preparar para o pior. Talvez seria de destacar inspetores internacionais e capacetes azuis da UN. Oxalá esteja enganado.
Nas histórias de homens impiedosos e gananciosos chega-se invariavelmente, perto do fim, ao ponto em que, como dizem os Americanos, “the chickens come home to roost” – o momento do ajuste de contas: da redenção (improvável) ou da queda (merecida). Esperemos que o autor desta tragédia não nos desaponte.