O Barómetro da Imigração, apresentado esta semana pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, tem, entre várias outras, uma enorme virtude: ajuda a perceber até que ponto a maioria dos portugueses tem uma visão enviesada da sociedade, muito mais baseada na perceção do que na realidade. Segundo o estudo, a grande maioria dos inquiridos acha que há muito mais imigrantes em Portugal do que aqueles que existem, realmente, de acordo com os dados oficiais. E também, de um modo geral, uma larga percentagem de inquiridos associa a imigração a um aumento da criminalidade e a uma maior despesa na Segurança Social, quando os indicadores, nesses domínios, vão precisamente no sentido contrário.
Esta discrepância entre a perceção e a realidade é acentuada, como já se verificou em muitos outros estudos internacionais, pelo posicionamento ideológico ou político de quem responde ao inquérito. Mas há uma tendência que, no caso da imigração, vale a pena reter e que os autores do estudo fizeram questão de sublinhar: “quanto mais imigrantes o inquirido julga existirem, mas desfavoráveis serão as suas atitudes” para com esses mesmos imigrantes.
Esta é uma conclusão lapidar e que ajuda a explicar a razão por que alguns políticos insistem em aproveitar todos os momentos para vociferar contra aquilo que clamam ser a “imigração descontrolada” e a “invasão” que dizem estar a ocorrer no País: quando a realidade não corresponde ao que desejavam, os populistas – ou os seus aprendizes – nunca hesitam em cavalgar a onda da perceção, onde podem manipular as sensações a seu bel-prazer e construir uma narrativa que acaba por ter eco na opinião pública. Mesmo que depois o mesmo inquérito até apresente resultados contraditórios em relação a esse tipo de perceções.
Quando a realidade não corresponde ao que desejavam, os populistas – ou os seus aprendizes – nunca hesitam em cavalgar a onda da perceção, onde podem manipular as sensações a seu bel-prazer
Afinal, lê-se no Barómetro, embora 67,4% dos inquiridos considerem que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade e outros 68,9% digam que eles ajudam a manter os salários baixos em Portugal, uma percentagem praticamente igual deles, 68%, concorda que os imigrantes são “fundamentais” para a economia nacional. E, de uma forma que até pode ser considerada surpreendente, 58,8% considera que os imigrantes deviam ter direito de voto igual ao dos portugueses, que lhes deve ser facilitada a naturalização, e uns esmagadores 77,4% afirmam que eles deviam ter o direito a poder trazer a sua família para Portugal.
Estes dados revelam a necessidade, cada vez mais urgente, de nos debruçarmos a sério sobre a realidade – da imigração e de tudo o resto – e deixar de perder tempo a discutir perceções. Até porque é preciso não nos esquecermos de que, se hoje este tipo de relatórios põe a tónica na opinião da sociedade portuguesa em relação à imigração e à integração da população estrangeira, ainda há bem poucos anos o foco era completamente diferente: a preocupação estava nas consequências da diminuição acelerada da população portuguesa, com o País a correr o risco de ficar reduzido, já em 2050, a cerca de 7 milhões de habitantes… caso deixássemos de receber imigrantes.
É nesse confronto de realidades que o debate sobre a imigração precisa de ser centrado. No fundo, discutir se o País se resigna a ficar com uma população cada vez mais pequena ou se, com os necessários ajustes, aceita acolher cada vez mais residentes estrangeiros, de outras culturas e a falar outras línguas, para manter, no mínimo, o equilíbrio populacional – essencial, aliás, para o Estado social. Este debate não se pode realizar com base em perceções nem, muitos menos, sujeito a táticas de curto prazo, apenas com o objetivo de “sacar” mais uns votos nas próximas autárquicas ou até numas legislativas antecipadas. Este é um debate que precisa de ser feito com os olhos postos no longo prazo e na definição do País que queremos ser. E tendo sempre a consciência de que a realidade, ao contrário das perceções, é dinâmica e pode alterar-se, de um dia para o outro, por tensões ou clivagens globais.
Até porque os erros podem pagar-se caros. Veja-se o que aconteceu, no ensino, quando se acreditou que a tendência demográfica portuguesa tinha entrado num declínio sem retorno, e se deixou de planear novas escolas e até se decretou que a docência seria uma profissão sem grande futuro. Afinal, desde a acelerada chegada de imigrantes, a partir de 2019, já percebemos agora que faltam aulas e já não temos professores suficientes. E isso não é perceção, mas antes uma realidade – que precisa de ser encarada de frente.
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