Dececionados, impacientes, irritadiços, cansados, intolerantes com a conversa da treta e com as falinhas mansas. Foi assim o estado de alma da generalidade dos europeus e dos norte-americanos neste 2018 prestes a chegar ao fim. De que é composta a anatomia desta desilusão? De décadas de promessas por cumprir, de um distanciamento de todas as elites de quem está na base da população, de melhorias que ficam só pelos bolsos de alguns, de falta de dignidade, de falta de esperança. Condições que hoje, na era imediatista do digital onde há terreno fértil para contaminação, são explosivas. Como um copo de água que se vai enchendo gota a gota, devagarinho, sem que se note, até que de repente se entorna sem pré-aviso. “Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las”, dizia o escritor Nelson Rodrigues sobre a alma humana, que ele tão bem retratava. Pois elas acordaram.
Francis Fukuyama, o pensador que há 30 anos vaticinou o fim da História, resumiu-o agora num novo livro: o que explica o estado das democracias ocidentais é a política do ressentimento movida por uma busca pela dignidade. O surgimento dos populismos, dos nacionalismos, dos autoritarismos e dos conflitos religiosos deve-se à luta pelo reconhecimento das identidades. Tudo isto cozinhado num caldeirão chamado redes sociais, onde os algoritmos pintam o mundo de forma binária, onde se vive dentro de bolhas de “amigos” que dizem e pensam a mesma coisa e, por isso, se sentem à vontade para ir cada vez mais longe nas ignomínias, onde proliferam a desinformação, a manipulação e a mentira. Um mundo tão “fake” como as “news” que o alimentam, mas com consequências bem concretas no real, expressas em saídas do armário concretas: votos de descontentamento nas urnas, manifestações, paralisações e contestação nas ruas.
2018 foi, assim, de desilusão geral: com um Brexit que devolvia a grandeza imperialista à Grã-Bretanha, com a América da igualdade, da liberdade e da fraternidade, com as promessas de um líder jovem e fora do sistema como Emmanuel Macron que veio a revelar-se igual aos outros, com a Alemanha acolhedora dos refugiados mas que não cuida dos seus, com a Europa que não encontra caminho unificador nem voz comum, com um mundo onde os homens ainda dominam…
Foi um ano onde a fragilidade das democracias liberais ficou bem à vista: nas condições certas, qualquer sociedade pode virar-se contra elas. Afinal, a memória é curta: a cultura democrática está longe de ser sólida e inabalável e os valores e princípios fundamentais de cidadania estão muito distantes de completamente assimilados.
Por cá, depois de anos de retoma de uma recessão económica e de um apertar do cinto que tanto custou a todos, começa agora a fazer-se sentir um certo desânimo. Por um lado, Portugal acabou de saldar a sua dívida ao Fundo Monetário Internacional, com um pagamento antecipado simbólico que marca o fim do empréstimo contraído que ascendia a 28 mil milhões de euros, a economia cresce a bom ritmo (estima-se que 2,1% em 2018) e a taxa de desemprego atinge o mínimo dos últimos 14 anos, nos 7,6%. Por outro, os salários continuam à espera de aumentos e há bolsas de contestação setoriais que parecem difíceis de satisfazer: em dois anos de prosperidade e governação à esquerda, este Governo enfrentou mais greves do que Pedro Passos Coelho em todo o mandato. E elas não matam mas moem: há milhares de cirurgias adiadas, atrasos nos processos judiciais irrecuperáveis, turbulência nas escolas e riscos de sobrevivência para o Porto de Setúbal, além de um desconforto cada vez mais evidente para a geringonça. 2019 – ano de eleições, clarificação e desaceleração económica – está aí à porta e não se avizinha fácil. Dizem os chineses que será o ano do porco: venha ele, mas façamos o nosso melhor para não o transformar no ano da pocilga.