Quando comecei a trabalhar na revista Exame há quase duas décadas, um dos primeiros trabalhos que me propus fazer foi encontrar jovens superempreendedores que tivessem fundado empresas de sucesso com menos de 25 anos. “Estás louca, não fazes ideia no que te vais meter, não vais encontrar!”, disseram-me na altura. Corri o País de norte a sul e, com efeito, foi mais ou menos como encontrar uma agulha num palheiro. Na área tecnológica, então, eram casos raríssimos e quase todos eles no âmbito das incubadoras de ideias universitárias. A world wide web era, em 1998, coisa ainda recente por cá para uso comum e na redação só alguns sortudos tinham computadores com internet. Falava-se vagamente de “comércio eletrónico” e dos seus riscos e oportunidades, mas ainda longe de imaginarmos uma bolha das dotcom ou o que a rede traria de verdadeiramente revolucionário para as nossas vidas no dia a dia. Hoje, tudo mudou. Se me viessem agora propor um artigo sobre jovens empreendedores com menos de 25 anos, provavelmente a minha resposta seria “Sim, e onde é que está a novidade?”.
Gosto pouco do discurso bafiento dos benefícios da crise, mas nisso há que dar o braço a torcer: nos últimos cinco anos, Portugal virou hub tecnológico e aspira ser, imagine-se!, uma espécie de Silicon Valley da Europa. Ainda estamos longe de tal estatuto, convenhamos, mas muito deste novo ecossistema e espírito empreendedor foi alimentado pela simples necessidade que tivemos de nos virar. Os Millennials, esta geração conectada e a primeira verdadeiramente global, correu mundo a viajar e a estudar, inspirou-se e, confrontada com a necessidade, meteu mãos à obra para criar o posto de trabalho que não encontrou por aí. Ninhos movidos a gente altamente competente e devota à causa, como João Vasconcelos da Startup Lisboa (hoje secretário de Estado da Indústria), ajudaram a criar um ambiente propício à aventura das startups lusas.
E assim começaram a surgir negócios extraordinários de miúdos extraordinários. O que têm eles de diferente e verdadeiramente inspirador? Não se contentam em ser os melhores cá do burgo – querem ser muito bons a nível mundial. E algumas empresas, como a Farfetch, a Feedzai ou a Uniplaces (analisadas em detalhe na VISÃO desta semana, agora nas bancas), entre outras, são mesmo.
O problema está quando tendemos a meter tudo no mesmo saco. A miúda que tem um negócio de streetfood e vende sanduíches com um logótipo giro e o rapaz que tem uma empresa de base tecnológica e um produto com capacidade de escala a nível mundial. Ou quando vimos putos que angariaram 100 mil euros e praticamente não têm receitas a dizer que serão o próximo unicórnio português, esse estatuto raro das empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares (por cá só temos uma, a Farfetch). Olhando para certas declarações, é quase como se andássemos a tropeçar em unicórnios a cada esquina, era bom mas não é bem assim. Sejamos claros: bem mais de metade destes novos negócios vai falir. E isso faz parte do processo. É levantar a cabeça, somar e seguir – coisa a que os portugueses estão pouco habituados.
Quanto mais alto se sobe, maior e mais rápida pode ser a queda. E, no mundo das tecnológicas, passa-se de bestial a besta num ápice. Algo, porém, têm de comum aqueles que realmente conseguem singrar com solidez: mantêm a cabeça fria e não se deixam deslumbrar com os milhões que entram a rodos. Gastam cada tostão bem gasto e, perdoem–me a expressão, não contam com o ovo no cu da galinha. Estive à conversa com Nuno Sebastião, CEO da Feedzai, e, não raras vezes, este geek superinteligente sentado em cima de encomendas de 120 milhões de euros de algumas das maiores empresas do mundo, pareceu-me um velho industrial da velha guarda a falar. As ideias e o modo de olhar o mundo estão muito à frente do seu tempo, mas o estilo de gestão é quase conservador. É este mix raro, de quem não cede à tentação de subir demasiado perto do Sol para não derreter as asas como Ícaro, que me convence.